Foi um recado direto ao futebol brasileiro. Via satélite, direto de Tanger, do lado marroquino do Estreito de Gibraltar, onde as águas do Atlântico e do Mediterrâneo convergem. A derrota do Flamengo para o A-Hilal radiografou o futebol brasileiro com precisão. Não apenas o brasileiro, é verdade, mas o Sul-Americano.
O Flamengo é o Real Madrid do Brasil. Tem os maiores orçamentos, salários, poder de compra, torcida e estrelas. Mas esse Real Madrid tropical sucumbiu diante dos árabes do Al-Hilal de uma forma incontestável, sendo dominado e controlado o tempo todo, antes e depois da expulsão de Gerson.
A troca de técnico, com Vítor Pereira ainda em começo de trabalho, é apenas parte de um todo. Não suaviza a gritante estagnação brasileira. Recue no tempo e faça o exercício: quando se imaginou que o principal clube brasileiro seria tão facilmente envolvido por um saudita? Nos acostumamos a ver os árabes apenas como destino de nossos técnicos e jogadores em busca da independência financeira.
Se os nossos exportados estavam lá só pelo dinheiro, para os árabes, eles eram parte de um processo de crescimento. Eles evoluíram. Nós seguimos na mesma. O Al-Hilal é o clube mais popular do país, tem seis jogadores da seleção e nomes como Marega, Vietto e Cuéllar, que seriam titulares facilmente aqui. Mas não virou uma potência mundial. Nem maior do que o Flamengo. Mas virou um clube capaz de chegar ao Mundial de Clubes e olhar nos olhos do Flamengo. Capaz de entrar em campo e jogar. Sem medo e com ciência do que está fazendo. Há método, processos, estudo, tecnologia e gestão nesse crescimento. Um caminho que só agora damos sinais de começar a cumprir.
Pouco depois da vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina, na Copa, o goleiro Marcelo Grohe publicou um post em seu perfil no Instagram reforçando que não era casual aquele resultado. Grohe está no país desde 2019, no Al-Ittihad. Escreveu Grohe:
“... É uma alegria acompanhar de perto a evolução do futebol saudita. São passos que vêm sendo dados há alguns anos, reforçando a Liga, oferecendo boas condições de trabalho (campos de jogo, estruturas de treino), investindo em arbitragem e comissões técnicas estrangeiras, para contribuir no processo de formação e consolidação dos profissionais locais. O futebol aqui também é uma paixão...”
Por aqui, seguimos vendo o futebol como algo mais intuitivo do que científico. Carecemos, em boa parte dos nossos principais clubes, de estrutura física e instalações modernas. Acreditamos sermos os melhores do mundo mesmo caindo nas últimas quatro Copas no primeiro mata contra europeu.
Naturalizamos jogar demais e treinar de menos, como se futebol não fosse um esporte de alto rendimento, que exige atletas em vez de jogadores de bola. Achamos normais jogos ruins, de baixo nível técnico, que colocam frente a frente times desiguais. Mais, não nos indignamos quando sentamos diante da TV ou na arquibancada para ver nossos jogadores correrem em gramados precários. Assim como não paramos para questionar a razão de estádios vazios.
Há um longo caminho ainda para cumprirmos. A criação da Liga Unificada é o primeiro passo. Necessário, urgente. Só com gestão profissional e um olhar de produto para o nosso principal campeonato é que poderemos fazê-lo render dinheiro. Só com ele reteremos nossos principais jogadores em vez de vendê-los para pagar dívidas. Temos um diamante bruto na mão. São, pelo menos, 12 clubes grandes, de camisa, candidatos ao título. Nem nos melhores sonhos a Inglaterra (e seu big six) ou a Espanha (com Real, Barça e, forçando, Atlético) têm isso. Mas são eles os donos das duas maiores ligas do mundo.
Só com um projeto sólido, gestão empresarial e capacidade de transformar o futebol em espetáculo é que robusteceremos nossos clubes, grande parte deles à beira da falência. Precisamos sair dessa inércia. Faz 10 anos que o Mundial de Clubes virou uma miragem restrita aos europeus. Se não despertarmos, logo veremos a ida à final da mesma forma. Aliás, pelo olhar dos europeus, esse dia já chegou. Não foi de graça que Rodrygo, sem qualquer rubor, disse que o Real já imaginava que seu rival na final seria o Al-Hilal.