Aqui estaria um bom conteúdo para um documentário daqueles de fazer a gente pregar o olho na tela. Na última terça-feira, a seleção de Comores venceu Gana por 3 a 2 e entrou para o mapa não apenas da bola, mas do mundo. É a força do futebol e sua capacidade de conectar o globo.
Comores, até 2005, nem filiada à Fifa era. Esta é sua primeira participação na Copa Africana de Nações. Para você ter ideia do que significa isso, há uma Eliminatória para garantir vaga na competição, com fase preliminar seguida de fase de grupos, em que 48 seleções foram divididas em 12 chaves. Os dois primeiros colocados garantiram lugar para disputar o título neste mês de janeiro, em Camarões. Comores, com a vitória sobre Gana, tem grandes chances de avançar para os mata-matas. Tudo dependerá do resultado desta quinta-feira, de Serra Leoa x Guiné Equatorial.
Comores garantiu lugar para sua primeira Copa da África em um grupo que tinha o Egito, de Mo Salah, Quênia e Togo. Perdeu só um jogo, para o Egito, isso na última rodada, já com a vaga garantida. No sorteio para a disputa em Camarões caiu no grupo da morte, com Marrocos, uma das potências da África, Gana, que buscava o penta, e Gabão, seleção emergente no contexto africano e cuja chegada chinesa no país deu de presente um estádio, inaugurado pela Seleção Brasileira, em 2011, e sede da final da Copa Africana no ano seguinte.
Todos apostavam que Comores apenas passearia por Camarões. Depois de perder para Marrocos e Gabão, veio o jogo contra Gana, cujo apelido de Black Stars não é gratuito. Há figuras carimbadas, como os filhos de Abedi Pelé, Jordan Ayew, do Crystal Palace, e André Ayew, do Al Sadd-CAT, Thomas Partey, do Arsenal, Amartey, do Leicester, e Pantsil, do Genk. Comores abriu 2 a 0, cedeu o empate e, no final, fez o 3 a 2. O que abriu a chance de avançar às oitavas como um dos melhores terceiros.
O futebol em Comores é, evidentemente, semiamador. O técnico Amir Abdou é nascido na França, mas filhos de pais comorensese. Em 2014, aos 42 anos, comandava uma equipe da sexta divisão francesa quando recebeu o convite para comandar a seleção. Começou o trabalho do zero, com uma seleção de base. Muitos jogadores seguem com ele até hoje.
O primeiro desafio de Abdou foi garimpar na Europa atletas filhos de comorenses que saíram para ganhar o mundo. O segundo, convencê-los a defender a seleção que tem sangue dos seus antepassados. Zaydou Youssouf, por exemplo, joga no St. Ettiene e não topou. A seleção enviada a Camarões é formada por jogadores de clubes de divisões menores da França e outros de segunda linha da Europa. Os destaques são os atacantes Ben Mohamed, do Estrela Vermelha, da Sérvia, e Faiz Selemani, do Kortrijk, da Holandae o meio-campo M'Changama, do francês Guingamp.
Que país é este?
Comores é o quarto menor país da África em área territorial. Trata-se de um arquipélago de três ilhas no Oceano Índico, ao norte de Madagascar e na mesma latitude do norte de Moçambique. São 800 mil habitantes em 1.800 quilômetros quadrados. Em 1505, pouco depois de descobrirem o Brasil, os portugueses estiveram por lá. Na mesma época, os árabes chegaram e introduziram o islã, que ainda hoje é a religião predominante.
Entre 1841 e 1912, as quatro ilhas (Grande Comore, Ajouan, Moheli e Mayotte) viraram colônias francesas. Depois da Segunda Guerra, foram reconhecidas como território ultramarino francês. Em 1975, o parlamento de Comores declarou-se independente. Apenas a ilha de Mayotte se absteve. Tanto é que hoje segue como território francês. Além do turismo, Comores vive da agricultura, baseada em especiarias: baunilha, cravo, noz-moscada e ylang-ylang, a flor usada pelas principais perfumarias francesas, como Dior e Chanel.
O celacanto, um peixe pré-histórico que chegou a ser apontado como extinto, foi encontrado na região e virou outro símbolo de Comores. Aliás, esse peixe empresta o nome também a seleção nacional, agora outra marca do país.