O futebol argentino, sabemos, respira fora da sua bolha. Isso fica muito claro neste dia 24 de março, uma data cinza e que os vizinhos gostariam de esquecer. Mas, pelo bem das gerações futuras, fazem questão de lembrar. Esta quarta-feira marca os 45 anos do golpe militar que instaurou no país uma ditadura cruel e que deixou cicatrizes na alma. Os clubes, usando a sua força de mobilização, se engajaram e engrossaram o coro de "Nunca más" que corre a Argentina inteira. River Plate e Boca Juniors, por exemplo, deixaram a rivalidade de lado e anunciaram juntos a campanha para convocar parentes de associados e associadas desaparecidos no regime militar, para que resgatem nos dois clubes seus títulos de sócios.
O Racing também aderiu a campanha e, em uma postagem em sua redes sociais, convocou familiares de sócios e torcedores mortos pela ditadura. Em sua nota, o clube diz seguir movimento já feito por outros clubes, citando o pequeno Ferro Carril Oeste e o Banfield, pioneiros no futebol nesta frente pela memória das vítimas. Em outubro de 2019, o Banfield restituiu a condição de sócios de 11 desaparecidos e entregou a familiares carnês semelhantes ao que tinham nos anos 1970, quando foram sumidos pelo regime.
Um mês depois, o Ferro Carril fez o mesmo e avançou, ao inaugurar na calçada do seu estádio uma placa de azulejos com os nomes de 16 sócios, todos jovens estudantes, que desapareceram durante a ditadura. Ali, também foi instala um painel com as fotos deles. Em fevereiro deste ano, vândalos pintaram sobre as imagens a frase "Perdón, Videla", em alusão ao general que governou o país no primeiro período da ditadura, entre 1976 e 1981 (ela se estendeu ainda por mais dois anos). O clube, em um ato com a presença dos familiares, recolocou as fotos e revitalizou o memorial.
O Argentinos Jrs., clube em que Maradona começou a jogar, foi outro que lançou seu projeto para manter a memória dos desaparecidos. O clube entregou a familiares de sete desaparecidos seus títulos de associados. Neste dia cinza, a adesão dessas quatro camisas pesadas engrossou ainda mais o grupo de clubes engajados. Antes, também haviam aderido a onda reparatória Estudiantes-LP, Rosario e San Lorenzo. Mais do que homenagear as vítimas da ditadura, os clubes fazem o bem de lembrar que esse período de trevas nunca mais deva voltar.
Conforme levantamento de organizações de direitos humanos, mais de 30 mil pessoas desapareceram nos sete anos de ditadura na Argentina.