Vamos voltar a pleno. Quando? É impossível prever. Como? De forma diferente, na forma e no conteúdo. Assim será a nossa retomada, o ingresso numa normalidade repaginada, uma nova normalidade, como definiu tão bem a Andressa Xavier com sua voz limpa e de entonação precisa no Sala de Redação dias atrás. Assim será também com o futebol. Que parece viver em um mundo à parte, digno das páginas dos super-heróis. Só parece, como mostrou o coronavírus.
A bola rolará por aqui ainda neste inverno. Talvez nos seus primeiros dias. A Federação Gaúcha de Futebol trabalha com dois cenários. Ouvindo presidentes, soube que um deles marca retorno aos treinos na segunda quinzena de maio. Recondiciona todo mundo e volta a jogar em junho. Sou um pouco cético em relação a isso. Não consigo vislumbrar bola rolando enquanto lidamos com o pico da pandemia, previsto pelas autoridades sanitárias justamente para maio e junho.
Logicamente, quero o futebol de volta. Não só por viver dele, mas por ser um apaixonado, por desfrutar do jogo. Ao ponto de ver o campeonato de Belarus dia desses no site do jornal AS, da Espanha, que comprou os direitos (nada como estar sozinho no mercado para vender seu produto). Sentei diante do meu notebook e conferi Slutsk 1 x 1 Vitebsk. Queria conferir em ação o brasileiro Diego Carioca, que havia entrevistado dias antes. Fiquei com pena do Diego, mas me diverti com a partida, disputada em um estádio que mais parece o Ramiro Souto, ali no Parque da Redenção.
Por esse relato, você tem uma ideia da abstinência que vivo nesses dias de quarentena. Mas me preocupa a forma como será retomado o futebol aqui. A Alemanha, por exemplo, modelo na luta contra a covid-19, só agora começa a retomar sua rotina, com regras rígidas de distanciamento (dois metros, no mínimo), permissão para que as pessoas andem no máximo em dupla, caso saia com algum familiar, e obrigação do uso de máscara.
Quem infringir as regras lá leva multa, como levaram os moradores de cidades como Berlim e Colônia ao lotarem parques, me conta o meu amigo Guilherme Becker, jornalista que faz mestrado em Hiddingsel, na baixa Saxônia.
O futebol, por lá, voltará, possivelmente, no dia 9 de maio. Mas para isso a DFB, a CBF alemã, preparou um protocolo que inclui 20 mil testes para usar com os 40 times das Bundesligas 1 e 2. Os jogos alemães serão sem torcida. Se houver aglomeração fora do estádio, a partida será suspensa. Estamos falando do modelo de organização germânico, é bom frisar
Nossa realidade, evidentemente, é outra. Mas dá para traçar alguns paralelos. Grêmio, Inter, Flamengo, Corinthians, enfim, os grandes, poderiam voltar a trabalhar e jogar em um modelo parecido ao dos clubes alemães. Mesmo com as contas abaladas pela paralisação, teriam condições de bancar testes nos jogadores e familiares, de hospedar atletas em quartos individuais, de fretar dois, três ônibus para que se respeite o distanciamento nas viagens.
A pergunta que faço é: e os demais, que já penavam para pagar as contas sem pandemia? O São Luiz, por exemplo, rescindiu com 15 jogadores para cortar gastos. O Pelotas mandou adiante 20 atletas. O Novo Hamburgo parcelou em três vezes o salário que faltava quitar. O Esportivo só ficou com todo mundo porque o salário foi reduzido em 70%, e os mais endinheirados do grupo toparam em solidariedade aos que recebem o piso. “Tem companheiro que ganha o mínimo e estava apavorado. Garantimos mais três meses para essa galera”, me contou em off um dos líderes do grupo.
O Gauchão está a três rodadas do fim para quase todos os times do Interior. Tiro curto. Mas há um período de 20 dias de treinos que exigirá cuidados sanitários extremos. Mais, depois disso, o futebol seguirá, com Série B, Série C e Série D no segundo semestre.
A bola voltará a rolar, até porque é necessário que se tenha a descompressão do futebol nesses dias sombra. Só que é preciso ser cauteloso, quase um germânico, na hora de definir como será essa retomada.