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Preste atenção neste sábado, contra o Inter, no que o Bahia de Roger Machado faz dentro de campo. Mas vou fazer um pedido a você: preste mais atenção ainda ao que o Bahia de todas as cores e gêneros faz fora de campo. Uma revolução na forma de conectar o futebol com o mundo à sua volta está sendo liderada pelo clube. Um caso raro de modelo a toda Terra.
O que o Bahia fez foi virar de frente e olhar para a sua torcida. Simples, não? Só que, no mundo fechado do futebol, isso está longe de ser trivial. O mundo da bola é, na verdade, uma bolha.
É conservador e lotado de preconceitos, de todos os tipos: sociais, raciais, de gênero. Enfim, uma coleção de etiquetas que segregam por trás da maior delas, de que é esporte popular. Como pode ser popular se há restrições a quem foge dos padrões que impõe?
O que o Bahia fez foi espelhar a sociedade. Dar voz e vez para todos. Usar sua força para colocar na pauta temas pouco hegemônicos, que atendem a anseios da minoria ou de quem vai contra a ordem estabelecida.
— Nossa pretensão é representar a nossa torcida, diversa e plural. Infelizmente o ambiente do futebol reproduz as mesmas pragas da sociedade em geral, com machismo, homofobia, misoginia, racismo dentre outros vícios sociais. Somos um clube popular e democrático e temos obrigação de honrar essa condição, defendendo os interesses de todas as pessoas — defende Tiago César, assessor de planejamento do clube.
Campanhas
Tiago, 41 anos, é quem comanda as ações que fazem do Bahia modelo de engajamento em causas sociais. A equipe é enxuta, como toda a gestão do Bahia, hoje formada pelo presidente Guilherme Bellintani, seu vice, um diretor executivo e um diretor de futebol.
No caso de Tiago, integram seu time o gerente de comunicação Nélson Barros Neto e o diretor de áudiovisual Pis Santos. São eles que produzem as peças e as campanhas. Porém, há uma rede de consultores, um grupo voluntário formado por antropólogos, militantes e pessoas ligadas a movimentos sociais, como o Observatório do Racismo no Futebol, do gaúcho Marcelo Carvalho.
O ambiente criado pelo presidente Guilherme Bellintani colabora. Advogado, doutor em desenvolvimento regional e urbano, sócio da Faculdade Baiana de Direito, ele foi secretário de ACM Neto na prefeitura de Salvador. Comandou as pastas de Desenvolvimento, Turismo e Cultura, Educação e estava à frente da secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo quando saiu para concorrer à presidência do Bahia no final de 2017. A gestão do clube já era modelo.
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O que Bellintani fez foi levantar nele as bandeiras sociais.
Não se trata de consumo externo. Há pequenas medidas internas que autenticam as ideias e as posições desta gestão. O nome social, por exemplo. Funcionários e associados trans ganharam o direito de usá-lo no crachá ou na carteirinha. Nas dependências do clube, foi adotada a autodeterminação no uso dos banheiros.
O ponto de partida para o engajamento nas pautas sociais é a antena ligada do clube. Em abril, a equipe de Tiago produziu um vídeo em que 12 pataxós reivindicavam a demarcação de terras indígenas. Em dois jogos, o time entrou em campo com os nomes de lideranças indígenas na camisa. Em setembro, o Bahia aderiu à luta contra a homofobia e lançou a campanha #LevanteBandeira, a favor da presença de pessoas LGBTQI nos estádios.
O golaço mais recente do Bahia serviu como uma chacoalhada no Brasil inteiro e contrastou com a inércia do governo federal para conter o derramamento de óleo nas praias do Nordeste. Na segunda-feira, contra o Ceará, o time entrou em campo com uma camiseta com manchas pretas, produzida especialmente para o jogo. O Bahia perdeu por 2 a 1. A noite, porém, foi de vitória. Porque, neste Bahia, o futebol não se encerra em si.