O Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre foi aberto no bairro Azenha em 1850. Na época, ficava longe da área mais povoada da cidade. A construção era necessária devido aos problemas do velho cemitério atrás da Igreja Matriz.
No relatório de governo em 1846, o presidente da província Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, descreveu o velho cemitério como "pouco decente". A área era aberta, com sepulturas em ruínas, "apinhado" de cadáveres e com mau cheiro em dias de calor.
Em 6 de abril de 1850, ocorreu o primeiro enterro no alto da Azenha. Um marítimo português que chegou em Porto Alegre, José Domingues, foi o primeiro livre sepultado. Eva foi a primeira escrava sepultada, em 12 de abril.
O presidente da província no ano da abertura do novo cemitério era José Antônio Pimenta Bueno, que reclamou da distância. A lomba era "quase inacessível" para as carroças, escreveu, lamentando que não escolheram um terreno na região do Moinhos de Vento.
Em 10 hectares, o Cemitério da Santa Casa guarda boa parte da memória das pessoas que construíram Porto Alegre, desde políticos, empresários e artistas até escravos e pobres trabalhadores. O Centro Histórico-Cultural Santa Casa realiza caminhadas para contar a história das sepulturas. Guiado pela historiadora Gabriela Moreira, visitei o cemitério.
Veja abaixo dez mausoléus e túmulos que estão entre os mais importantes, considerando arte, história e interesse dos visitantes. Muitas mensagens foram deixadas nas obras.
Júlio de Castilhos
O ex-presidente do Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos, morreu com câncer de garganta em 24 de outubro de 1903. Em concurso público, o artista carioca Décio Villares foi escolhido para erguer o mausoléu no Cemitério da Santa Casa e o monumento na Praça da Matriz.
O mausoléu é feito de mármore e bronze. Uma figura feminina, segurando bandeira do Brasil, representa a República brasileira em luto. No topo, uma águia de asas abertas simboliza a liderança do político. Em destaque, a frase "os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos".
A esposa Honorina Costa também está sepultada no local.
Texeirinha
O túmulo mais popular é do cantor Vítor Mateus Teixeira, o Texeirinha. Morto em 1985, ainda é o ponto visitado por fãs, inclusive jovens. Em tamanho real, com violão em mãos, a escultura de bronze do músico foi feita pelo artista Mário Arjones.
Paraquedista
Diagnosticado com câncer de estômago, aos 94 anos, o paraquedista Casemiro Scepaniuk morreu em 2016. O militar ficou conhecido por construir o próprio túmulo. As esculturas coloridas despertam a atenção dos visitantes no cemitério. Ao lado da sua estátua, estão o primeiro cão paraquedista da América do Sul e uma águia.
Scepaniuk foi um dos pioneiros do paraquedismo no Brasil. Quando construiu a sepultura, o militar dizia que não queria dar trabalho à mulher, Ruth Scepaniuk, que morreu em 2023 e teve lugar reservado no jazigo. O casal não teve filhos.
Iberê Camargo
O artista gaúcho Iberê Camargo morreu em 1994. Inspirado na sua pintura Carretéis, o túmulo foi construído no Cemitério da Santa Casa.
É um dos túmulos com arte moderna.
Pinheiro Machado
O senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado foi assassinado pelas costas, atingido por punhal, em 1915. O padeiro desempregado Francisco Manço Paiva fez o ataque em hotel no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O criminoso teria agido motivado por críticas dos jornais ao senador. Negou que o crime tenha sido encomendado.
O mausoléu tem obras de arte na frente e atrás. Depois de concurso público do governo do Estado, foi feito pelo português Rodolfo Pinto do Couto. A obra faz parte da narrativa de herói morto em defesa da República brasileira. O mausoléu tem bronze, mármore e granito. O político é colocado em leito de morte, parcialmente coberto pela bandeira do Brasil.
Plácido de Castro
O túmulo do político e militar José Plácido de Castro também tem muitas mensagens nas obras de arte. O gaúcho, líder da independência do Acre e governador depois da anexação pelo Brasil, morreu em uma emboscada em 1908. O seu último pedido foi que o corpo fosse trazido ao Rio Grande do Sul.
Na sepultura, a estátua do leão representa Plácido de Castro, ferido pelas costas. A figura que simboliza a Justiça aponta injustiça no caso. A balança, por exemplo, está desequilibrada. A venda está na testa, portanto não tapa os olhos.
No livro A Escultura Pública de Porto Alegre - obra comemorativa Porto Alegre 250 Anos, o historiador da arte José Francisco Alves aponta que, provavelmente, o túmulo foi projetado por Theo Wiederspahn, pois um desenho da obra está entre os seus projetos.
General Daltro Filho
O baiano Manuel de Cerqueira Daltro Filho governou o Rio Grande do Sul por pouco tempo. Depois de três meses da nomeação como interventor federal, morreu por problemas de saúde.
O artista Antonio Caringi, o mesmo do Laçador, fez a obra do túmulo. No topo, estão duas esculturas representando um militar e um estancieiro gaúcho.
Otávio Rocha
O pelotense Otávio Francisco da Rocha morreu em 1928, quando era intendente (prefeito) de Porto Alegre. O viaduto da Avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico, o homenageia. As obras começaram no seu governo.
O túmulo, em bronze e granito, foi projetado pelo André Arjonas, escultor da Casa Aloys. No relevo em bronze, estão representados prédios de Porto Alegre.
Lelo e Deco
O jazigo da família de Carlos da Rosa Sobrinho é conhecido pelos apelidos dos seus dois filhos. No interior, estão objetos e fotos de Lelo e Deco, que morreram ainda jovens. Marco Aurélio Hoff da Rosa, o Lelo, de 23 anos, morreu em acidente de trânsito em 1989, na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre.
Em 1992, o irmão André Hoff da Rosa, o Deco, de 28 anos, morreu com tiro no peito em assalto no estacionamento do zoológico de Sapucaia do Sul.
Contam que o pai ficava muito tempo no jazigo onde estão sepultados os filhos. O empresário Carlos da Rosa Sobrinho também faleceu em 2022.
Campo Santo
Quem é o sepultado 308? No Campo Santo, as cruzes têm apenas números. Os nomes ficam no cadastro do Cemitério da Santa Casa. O local recebe os mais pobres. Lá, eram enterrados escravos e indigentes. Atualmente, ficam as pessoas carentes, por encaminhamento da prefeitura de Porto Alegre.
Milhares já foram enterrados na grande área do Campo Santo. Depois de três anos, os restos mortais são retirados e colocados no ossário coletivo, abrindo vaga para um novo sepultamento.
Visitação
- Todos os dias, das 8h às 12h e das 13h às 18h
- Caminhadas guiadas: acompanhe as datas pelas redes sociais do Centro Histórico-Cultural Santa Casa
- Endereço: Avenida Professor Oscar Pereira, 423, Azenha, Porto Alegre