Em outros tempos, as brigas políticas eram resolvidas com uma faca no pescoço no Rio Grande do Sul. Milhares morreram degolados nas revoluções. Da prática primitiva, sem desperdício de munição, surgiu a expressão "não se gasta pólvora com chimango".
Em um dos episódios da Revolução Federalista, quando percebeu que seria morto, o ex-juiz Benedicto Marques da Silva Acauã teria implorado para ser fuzilado, mas teve o fim no fio da faca. A história é uma de tantas contadas pelo professor de ciência política da Unipampa Cláudio Júnior Damin no livro 1893, Sangue na Lagoa Vermelha: Episódios da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (Martins Livreiro Editora).
Veterano da Guerra do Paraguai, bacharel em direito, Acauã foi juiz em Passo Fundo na década de 1870. Em Vacaria, o paraibano chegou ao cargo de presidente da Câmara Municipal. Em 1892, foi acusado de liderar tentativa de resistência quando Júlio de Castilhos retornou ao governo gaúcho em um golpe. Desde o tempo da monarquia, Acauã mantinha relações com o Partido Liberal, de Gaspar Silveira Martins, opositor dos castilhistas.
Durante a guerra civil iniciada em 1893, o ex-juiz se apresentava como neutro, sem pegar em armas. Mesmo assim, não escapou. Em 7 fevereiro de 1894, soldados republicanos, comandados pelo major Eliziário Paim, o retirou de casa em Vacaria. Só deu tempo de se despedir das quatro filhas com idades entre oito e 16 anos, já órfãs de mãe. Na vila, também capturaram o federalista Severiano José Amado. O major justificou que cumpria ordens do senador Pinheiro Machado, um dos comandantes republicanos da Divisão do Norte.
Montados, os dois presos tiveram pernas amarradas com cordas que passavam embaixo da barriga dos cavalos. Em meio à escuridão da noite chuvosa, Amado conseguiu fugir. O episódio foi descrito em detalhes pelo jornal Gazeta da Tarde, do Rio de Janeiro. Acauã ficou com seus algozes. Ele era mais velho - tinha 48 anos -, gordo e sem a mesma habilidade com cavalo.
O ex-juiz federalista não chegou ao acampamento de Pinheiro Machado. Perto de um capão, já longe da área urbana de Vacaria, o degolaram. Ele teria pedido que o fuzilassem, pois era homem de letras e honra para ser covardemente degolado. Como de costume, o corpo foi deixado apenas de ceroulas. O restante foi saqueado. Localizado uma semana depois, o corpo acabou sepultado no mesmo local do assassinato. Contam que uma filha de 15 anos, Corina, enlouqueceu depois da morte do pai.
O professor Cláudio Júnior Damin comenta que nunca descobriram se a ordem de captura e morte partiu de Pinheiro Machado. O fato é que, dias depois do crime, o senador aliado de Júlio de Castilhos se hospedou na casa de um genro do ex-juiz em Vacaria. Benedicto Acauã é homenageado com nome de rua em Passo Fundo.
Por essas e outras, a revolução ficou conhecida como a Guerra da Degola, que terminou em 1895.