Eu já contei sobre meu fascínio de criança quando visitei com a escola o Museu Julio de Castilhos, em Porto Alegre, principalmente pelas botas do Francisco. Uma outra área que impressionou-me foi dos canhões. Fiquei imaginando quando e onde foram usados, o que destruíram. No jardim da antiga casa do líder republicano, na Rua Duque de Caxias, estão em exposição atualmente oito canhões. Três pertenceram às forças farroupilhas lideradas por Giuseppe Garibaldi.
Os canhões dos farrapos chegaram ao museu do governo gaúcho em 1926. Eu vou compartilhar com vocês a história do armamento, com base na pesquisa de Eduardo Duarte, publicada na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS) em 1927.
A esquadra farroupilha atuava na região da Lagoa dos Patos. O estaleiro para construção da frota comandada por Garibaldi ficava no Rio Camaquã. Em julho de 1839, o italiano estava longe da vila do Sul do Estado, tomando Laguna para proclamar a República Juliana. Por aqui, seus companheiros estavam em apuros, subindo o Rio Camaquã para fugir das embarcações comandadas por John Pascoe Grenfell, marinheiro inglês à serviço do Império do Brasil.
João Greenfel (como era chamado aqui), pelo correio oficial, comunicou ao ministro da Marinha, Jacintho Roque, que apreendeu no dia 24 de agosto de 1839 os "lanchões rebeldes Rio Pardo, Independência e Setembrina", além de duas lanchas, na Lagoa Formosa, em Camaquã. A esquadra acabou destruída. Em um capão próximo, seus subordinados localizaram mastros e outros aparelhos. O inglês escreveu que era uma notícia boa para o ministro e para o comércio da província, "por tanto tempo incomodado por estes piratas". A ação dos farroupilhas na Lagoa dos Patos prejudicava o abastecimento de Porto Alegre, que ficou dependendo dos produtos que desciam das primeiras colônias alemãs do Vale do Sinos.
No comunicado oficial, nenhuma referência aos canhões de ferro. O motivo era simples: o pesado armamento já estava no fundo do arroio Santa Isabel quando as embarcações foram apreendidas ali perto. A esquadra farroupilha em Camaquã, comandada por Zeferino Dutra, descartou os canhões. Além de aliviar o peso para navegação, não os deixaria nas mãos dos imperiais em caso de apreensão dos barcos.
Quando os canhões foram encontrados? Mais de 50 anos depois, no final do século 19. O major José Divino Vieira Rodrigues, que ocupou cargos públicos em Camaquã, enviou um texto ao jornal A Federação, publicado em 1896. Ele contou ter encontrado os canhões de calibre 153, pesando em torno de uma tonelada, depois de aberta nova barra para as águas do Arroio Santa Isabel escoarem para o Rio Camaquã. As três peças estavam enterradas na antiga barra. O trabalho de remoção e transporte durou quase um mês. Quando retiradas das carretas na presença da população na cidade de Camaquã, caiu de dentro de uma das peças uma colher, que viria a ser exposta na Casa Ao Preço Fixo, um comércio em Porto Alegre. O major revelava o plano de vender dois canhões ao governo brasileiro e ficar com um.
Os três canhões foram trazidos em 1926 para o acervo do Museu Julio de Castilhos. A artilharia farroupilha está atualmente no fundo do jardim, guardando parte da história da Revolução Farroupilha na "leal e valorosa" cidade de Porto Alegre, onde os farrapos ficaram por pouco tempo durante a guerra.
O Jardim dos Canhões tem ainda uma peça encontrada nas proximidades da Ilha do Chico Inglês (Delta do Jacuí - Porto Alegre), outra recolhida na antiga Praça Harmonia (atual Praça Brigadeiro Sampaio - Porto Alegre) e três que pertenciam ao Forte Dom Pedro II (Caçapava do Sul). São outras histórias para a coluna.
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