Depois de visitar com a turma da escola o Museu Julio de Castilhos, nunca mais esqueci um objeto em exposição. Talvez, vocês também. O par de botas do "gigante" rio-grandense atraiu a atenção de gerações nas visitas ao museu em Porto Alegre. O calçado foi apresentado assim por muito tempo: 'botas do gigante". Não é mais. Hoje, as botas tamanho 58 estão protegidas em um espaço de vidro para evitar maior deterioração do couro, enfaixadas e hidratadas com regularidade. São apresentadas simplesmente como as botas do Francisco. É a forma encontrada para respeitar a memória de Francisco Ângelo Guerreiro, vítima de uma doença e exposto em vida como uma aberração, uma atração com cobrança de ingresso.
Francisco, Chico para os mais íntimos, morreu em 12 de agosto de 1921, no Rio de Janeiro. O relato que faço na sequência é baseado nas reportagens do jornal Correio da Manhã nos dois dias posteriores. O gaúcho era classificado como o homem do momento na capital do Brasil. Chegou em 7 de julho, numa viagem que começou em 15 de maio no Rio Grande do Sul.
Com pouco mais de 20 anos, partiu para exibições no Rio, imaginando fazer fortuna. Descalço, tinha 2m17cm de altura. Pesava 160 kg. Durante a viagem, conheceu Narcisa Alves no Paraná e lá se casaram em 2 de julho. Depois da chegada à então capital do país, Francisco se apresentou no Cinema Parisiense e em uma casa na Rua Marechal Floriano, local onde morreu.
Antes de partir para o Rio de Janeiro, os médicos Heitor Annes Dias e Luiz Nogueira Flores, da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, o diagnosticaram com "um gigantismo acromegálico", segundo nota da época no jornal A Federação. Além da altura fora da média, caminhava com dificuldades, tinha mãos, pés e cabeça desproporcionais em relação ao restante do corpo. A data de nascimento e o local apresentam divergências nas fontes de pesquisa. De acordo com o Correio da Manhã, Chico nasceu em Júlio de Castilhos em 16 de junho de 1899.
Maria Isabel Guerreiro, mãe de Francisco, não concordava com a exibição do filho doente como atração em troca de dinheiro. Chegou a enviar uma carta ao chefe de polícia do Rio pedindo providência para o retorno do filho ao Rio Grande do Sul. Chico se apresentou aos policiais com o empresário. Disse que era maior de idade e queria ficar para ganhar dinheiro e comprar, no futuro, uma estância no Estado natal. O chefe de polícia não teve o que fazer e o gaúcho continuou com as exibições, mas por pouco tempo. Ele já não estava bem de saúde e recebeu atendimento médico a partir de 7 de agosto. O diagnóstico do Dr. Américo Caparica foi pneumonia provocada por gripe. Morreu cinco dias depois.
A notícia da morte logo se espalhou. Muitos curiosos cercaram a casa onde o "gigante" morreu. Foi velado vestido com terno preto e as botas que sempre usava. Guardas foram acionados para colocar ordem na região. O corpo foi levado em uma carruagem puxada por burros até o Cemitério de São Francisco Xavier. Nem morto, deixou de atrair a curiosidade das pessoas devido ao tamanho.
Em 1928, a ossada de Francisco foi enviada do Rio de Janeiro para estudos na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Pelo registro do Museu Julio de Castilhos, as botas chegaram para o acervo em 1925.
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