É difícil desconstruir uma afirmação repetida por séculos a fio. Vale para tudo. Da recomendação de vó de que não se pode misturar melancia com leite ao grau de vilão conferido ao ovo. Pela repetição como verdade ao longo do tempo, temos dificuldade de desacreditar em algo imposto como real. Até hoje, há quem jure de pé junto que colocar roupa do avesso no recém-nascido faz o bebê dormir a noite inteira. Antes fosse.
Por hoje, quero me debruçar sobre um desses mitos, contado à exaustão a nós, mulheres: a rivalidade feminina.
Duas mulheres, adversárias nos tablados, se aplaudem e torcem uma pela outra. A despeito do mito de que uma mulher não suporta ver outra brilhar
Por anos, histórias infantis foram narradas sob essa ótica. Da Cinderela, que tinha a madrasta e as irmãs como rivais dentro de casa, à Branca de Neve, alvo de uma disputa de beleza inacreditável (espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?). É a insistência na tese falsa de que uma mulher não suporta ver o triunfo de outra.
Quem ganha com isso? Por que raios a sociedade insiste em nos colocar como oponentes, enquanto enaltece a irmandade masculina?
Levanto a discussão diante de dois fenômenos expostos aos nossos olhos na ginástica artística, nos Jogos Olímpicos de Paris. Simone Biles. Rebeca Andrade. Extraordinárias. Medalha de ouro, medalha de prata. A excelência diante de nós.
A despeito de quem insistisse na tese da rivalidade feminina, Biles e Rebeca saltaram na direção contrária. Contou a excelente repórter Marina Dias, no jornal americano Washington Post, que a maior ginasta da atualidade acolheu e aconselhou Rebeca a seguir, nos momentos em que ela pensou em desistir, por lesões no joelho.
— Ela falou que eu era muito talentosa, que eu ia conseguir superar e continuar.
Anos depois, foi a vez de Rebeca vibrar por Biles, em sua volta às competições, no campeonato mundial (após a pausa por questões ligadas à saúde mental). Quem esteve perto conta que a brasileira gritava e aplaudia cada vez que Biles acertava um exercício.
Quem ganha com isso? O mundo. Duas mulheres, adversárias nos tablados, se aplaudem e torcem uma pela outra. A despeito do mito de que uma mulher não suporta ver outra brilhar. Não caia nessa cilada. Vale a máxima de Angela Davis: nós, mulheres, precisamos nos erguer, enquanto escalamos. O caminho é duro. Mas, acredite, há pódio para todas nós.