O sol não havia aparecido ainda na manhã desta quarta-feira (3), enquanto eu trocava mensagens com uma amiga que acaba de perder a mãe para um câncer no fígado. Meu objetivo era enviar amor e carinho a ela, e acho até que cumpri uma parte daquilo que propus. Mas, no meio da conversa, me peguei contando sobre como eu me sinto dois meses depois de ter perdido meu amigo David Coimbra para um câncer metastático, que lhe absorveu por quase dez anos.
Sim, se passaram dois meses. No último dia 27, quarta-feira da semana passada, portanto, o calendário me lembrou que há dois meses não temos mais David diariamente conosco no programa Timeline, na Rádio Gaúcha, ou na última página da ZH — e nunca mais teremos a chance de ouvi-lo em um dia inspirado, quando de repente desatava a contar a trajetória de "Catarina, a Grande" ou simplesmente se inspirava para descrever um causo antigo de quando se aventurava pela editoria policial. Faz falta o David.
Mas voltemos à conversa.
Eu disse a essa amiga que tem alguns sentimentos novos que o luto me trouxe (e me traz) de tempos em tempos e que, claro, tenho consciência de que não são exclusivos meus. Como querer contar uma coisa legal que me aconteceu - ou mesmo um infortúnio - e não ter mais como fazê-lo. Semana passada, eu saí de um evento importante e disse ao meu companheiro: "sabe o que eu queria agora? Queria poder ligar para o David". Não havia como.
O mesmo aconteceu quando o querido Marcos Piangers me contou sobre o filme "Papai é Pop", inspirado em seu livro mágico e amoroso, que será lançado na próxima semana em Porto Alegre. Eu disse a ele: "David deve estar orgulhoso". Ao que ele me respondeu: "Kelly, essa é uma grande dor. Não poder compartilhar com ele isso". Talvez o leitor não saiba mas David e Piangers era como Bebeto e Romário, dupla de craques daquelas que, juntos, a gente só sabe aplaudir — e dar boas risadas, verdade seja dita.
O fato é que não tem mais como contar. É egoísmo meu, dirão alguns. "Ele está melhor em algum lugar", "muito melhor que nós", consolam-me outros. Mas às vezes a saudade é como uma flecha, que depois de lançada finca o coração da gente e machuca, de verdade. Tem dias que ela vem veloz, na direção certeira e aí, querido leitor, querida leitora, mesmo que a gente puxe, fica um buraco e um vazio ali.
A única parte que alivia, em parte, é saber que não estamos sozinhos nessa jornada. De vez em quando, a Marcinha posta um vídeo do David sorrindo, com Bernardo e ela sendo felizes, e aí a gente sorri pensando que foi sorte demais a vida ter nos permitido conhecer um amigo tão leal como esse que se foi. Um privilégio imenso. E uma certeza: sempre, saudade.