Em meio ao período mais crítico da pandemia no Brasil, o ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes Marques não teve dúvidas e num canetaço liberou a realização de cultos, missas e demais celebrações religiosas no país. A decisão, de 3 de abril deste ano, contrariava orientação de cientistas que insistiam na ideia de que era preciso continuar respeitando protocolos de isolamento para conter a novíssima onda da doença.
Naquela semana, o número diário de mortes no país se aproximava de 3 mil.
Justificou Kassio, na ocasião: "Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual".
Pois o mesmo ministro Nunes Marques foi designado relator da ação levantada pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul que trata sobre a retomada das aulas presenciais. Compreendido pelo governador Eduardo Leite como um pilar fundamental para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, o retorno às escolas acabou indo parar nos tribunais a partir de questionamentos apresentados junto à Justiça gaúcha. O Piratini foi ao STF para garantir segurança jurídica.
Nos últimos dias, Eduardo Leite fez dois movimentos: um, para garantir a vacinação imediata de professores e educadores, que não foram inlcluídos pelo governo federal no Plano Nacional de Imunização. Esta ação caiu nas mãos de outro ministro, Ricardo Lewandowski, e ontem houve parecer da Advocacia-Geral da União — aliás, contrário à inclusão dos professores na fila prioritária.
Contudo, o ministro Nunes Marques segue sem dar qualquer passo em relação à demanda sobre a volta às aulas, o que causou estranheza por parte das autoridades gaúchas. Ora, por que houve celeridade quanto à decisão de liberar cultos religiosos? O que justificaria essa pressa para o conforte espiritual e não para a educação das nossas crianças e adolescentes?
Na ocasião em que Nunes Marques liberou os cultos, o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas, Daniel Wang, disse à Folha de São Paulo que a decisão liminar (provisória, de urgência) não se justificava e que não havia motivo para a "pressa". "Não tinha por que conceder uma liminar a essa hora da noite. É desleal com os colegas da Corte, porque é uma decisão que tinha de ser colegiada."
Há algo que precisa ser explicado. Ou então fica claro que educação é realmente algo não essencial na visão do ministro.