Ela decidiu adentrar o território masculino e dançar a chula - inclusive no Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), o maior festival do gênero no Brasil, realizado no último final de semana em Santa Cruz do Sul. Só que o sapateado feminino não ocorreu da forma como estava previsto.
Emily Borghetti, que vem se destacando com o espetáculo Chula e chamando a atenção em apresentações Brasil afora, inclusive ao lado de Luísa Sonza, fez um desabafo nas redes sociais na última terça-feira (19). Intitulado "A chula foi censurada, e isso é uma carta aberta" (veja na íntegra abaixo), o texto (acompanhado de um depoimento em vídeo) recebeu mais de 7 mil curtidas, superou 700 comentários e ultrapassou 1,8 mil compartilhamentos em menos de 24 horas.
No post, a filha de Cadica Costa e de Borghettinho relata ter sido convidada a participar do Enart pelo CTG Tiarayú, de Porto Alegre, "com uma proposta muito gaúcha". Ela explica: "gineteada, chula, pala e sapateado feito por mulheres".
A bailarina aceitou o convite e se preparou para o desafio ao lado do grupo. Tudo ia bem até que, na noite anterior à apresentação, Emily e os integrantes do CTG souberam "que um grupo de chuleadores ameaçou fazer uma denúncia, caso as prendas usassem o pau de chula, sob a justificativa de não haver registro de tal feito na história gaúcha".
Segundo Emily, "isso surpreendeu a todos, já que em outros anos mulheres já haviam usado a lança, embora não tivessem sapateando sobre ela".
Com receio de ser desclassificado se mantivesse o plano original, o CTG decidiu retirar a lança e a espora das prendas "para não caracterizar a chula" e, assim, evitar possíveis problemas no festival.
O desabafo prosseguiu nos comentários do post, com dezenas de mensagens de apoio e também de críticas.
Diante da repercussão, tanto integrantes do MTG quanto do Enart afirmaram que a proposta havia sido aprovada pelo Departamento de Pesquisa, que não havia risco de desclassificação e que o Tiarayú só não levou a ideia adiante porque assim decidiu, com base em "murmurinhos".
Nas redes, quem não gostou das declarações públicas de Emily está acusando a bailarina de "querer lacrar" para ganhar "engajamento".
O fato é que ela e o CTG Tiarayú se sentiram incomodados com a situação, por não saber que tipo de reação haveria, caso mantivesse o plano inicial. Mesmo que o MTG e o Enart não desclassificassem a equipe, esse sentimento deve ser respeitado e levado em conta, e não simplesmente desacreditado ou definido como fruto de "boatos".
Nos últimos anos, o MTG e os CTGs têm avançado, aceitando participantes LGBT, por exemplo. O Enart tornou-se um festival belíssimo e diverso, consolidado como um grande evento do sul do Brasil.
Só que a sociedade, infelizmente, ainda sofre de um mal chamado machismo. Há homens que não aceitam o protagonismo de mulheres em áreas tidas como masculinas.
Emily, que tem recebido uma profusão de mensagens de ódio desde que iniciou a jornada na chula (isso não é brincadeira), decidiu que não deveria mais silenciar. E ela está certa. Merece, no mínimo, ser ouvida.