Descobri, nesta semana, que a inteligência artificial (IA) já oferece a “imortalidade” (assim mesmo, entre aspas). Um programador de softwares norte-americano chamado Jason Rohrer, conhecido por criar games nos Estados Unidos, desenvolveu um chatbot (assistente virtual que usa IA para se comunicar por texto) que permite ao usuário conversar com qualquer pessoa. Qualquer pessoa mesmo. Inclusive com quem não vive mais.
É. Eu também fiquei com essa cara quando li a entrevista que Roher concedeu ao repórter Henry Mance, do jornal Financial Times. A IA rompeu outra barreira.
Chamado Project December, o programa é um derivado do ChatGPT e tem a frase “simular os mortos” como slogan. Definido como “primeiro sistema deste tipo no mundo”, o tal projeto anda dando o que falar.
Não é para menos. Já imaginou se você pudesse ter a chance de trocar algumas palavras com alguém que perdeu para sempre e que faz uma falta danada na sua vida? Mas será mesmo que é uma boa ideia?
Se você tiver coragem, um bom inglês e cartão de crédito internacional, basta pagar US$ 10 e preencher um breve questionário online. Pronto. Seu falecido pai, sua avó querida, aquele amigo especial, qualquer um deles estará “de volta” na tela do seu dispositivo.
Óbvio que não contive a curiosidade e acessei o site.
É preciso, primeiro, informar dados como o nome da pessoa com quem você deseja falar, como você costumava chamá-la e como ela te chamava, tudo muito simples. O sistema quer saber, também, quando a pessoa morreu, qual foi a causa, de onde ela era e que papel desempenhava na sociedade. Entram na lista até nome de pet e outros detalhes do tipo, incluindo traços de personalidade e expressões que o morto costumava usar.
Na sequência, vem uma explicação do que você terá por US$ 10: “por esse preço”, diz o site, a conversa com o além incluirá "mais de 100 trocas de mensagens de ida e volta" e durará “uma hora ou mais”, dependendo da rapidez das perguntas e respostas e de como você distribui o bate-papo ao longo do tempo (você recebe um link por e-mail, que acessa quando quiser).
O que esperar disso? O próprio Project December avisa: “este é um sistema de pesquisa de ponta que faz um ótimo trabalho simulando personalidades inteligentes (...) No entanto, você não deve esperar perfeição.” Ok, ok. “Pense em você como um experimentador ousado”, diz o texto, “trabalhando com tecnologia em nível de ficção científica”, para então encerrar: “Se você mantiver a mente aberta, poderá ficar agradavelmente surpreso com o que encontrar.”
Se eu fui adiante? Não, sinto decepcioná-lo(a).
Primeiro, porque não queria “queimar” US$ 10. Segundo, porque a coisa toda me pareceu um pouco mórbida, além de parecer uma forma perigosa de lucrar em cima do sofrimento alheio. Em se tratando de IA, você nunca sabe como uma máquina dessas vai se comportar.
Um documentário chamado Eternal You, que trata do tema, sugeriu que a iniciativa bebe na fonte do “capitalismo da morte”, embora existam relatos de usuários agradecidos.
Para alguns, a tecnologia ajudou no processo de luto, especialmente em casos traumáticos. Para outros, nem tanto. E se uma conversa dessas acabar mal? Melhor procurar um psicólogo ou psiquiatra de carne e osso, ainda que isso custe bem mais do que US$ 10.