A jornalista Raíssa de Avila colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço
A inauguração do primeiro museu dedicado à cultura hip-hop no Brasil é mais do que uma conquista para a Associação da Cultura Hip-Hop de Esteio, que trabalha desde 2021 para transformar a escola desativada Dr. Oswaldo Aranha, na Vila Ipiranga, zona norte da Capital, em um espaço de convivência. Mas também um alívio para quem viveu por anos imerso na cultura que socialmente sofreu com o preconceito e a marginalização da arte que é produzida nas periferias de todo o Brasil.
— É uma oportunidade única. Quando que eu ia imaginar trabalhar na minha profissão, mas em um lugar como esse? — indaga a bibliotecária Mary Branchi, agora responsável pela Biblioteca Divilas, do recém-inaugurado Museu do Hip-Hop.
O espaço abre as portas no ano em que o movimento celebra meio século e reserva uma galeria para comemorar as conquistas da comunidade, que recebeu o reconhecimento do governo federal com a assinatura de um pacote de medidas pela igualdade racial, onde consta o Decreto de Valorização e Fomento à Cultura Hip-Hop e o Projeto de Lei (PL) que prevê a criação o Dia Nacional do Hip-Hop.
Com um acervo de 6 mil itens físicos e digitais, o museu idealizado pelo rapper e ativista Rafa Rafuagi é moderno, colorido e conta a história do rap desde seu surgimento nas ruas do Bronx, em Nova York, nos EUA, até os dias de hoje, com suas novas ramificações. A linha do tempo permite que os visitantes entendam como o hip-hop se espalhou pelo Brasil de forma simultânea, embora muitas vezes os movimentos sudestinos tivessem mais visibilidade dos que aconteciam no RS, por exemplo. Com fragmentos, referências e elementos que nortearam diferentes gerações, o hip-hop se torna um só nos corredores do museu.
O museólogo Fulvio Dickel conhece todas as peças expostas e conta com entusiasmo como cada sala foi pensada para contar a história pavimentada pelos ícones que aparecem nas paredes, caixas de som, grafites e homenagens:
— Quando o Rafa fez o convite eu entendi como um chamado. É um marco. Já ouvi um gurizinho dizendo: “Agora a minha mãe não tem mais o que reclamar. Estou em um museu” — conta.
Integram a área de quase 4 mil metros quadrados salas expositivas, ateliê, café, loja, estufa agroecológica, quadra poliesportiva, CT de breaking e um estúdio, que deve ser encabeçado pelo integrante do grupo Da Guedes, Nitro Di. Agora, o hip-hop tem mais do que um lugar para contar sua história. É um lar que abriga anos de luta.
Cultura hip-hop se mistura com elementos da Capital
Na fachada do Museu do Hip-Hop, o Trensurb é o responsável pelo início da experiência. A primeira ativação é um vagão, que guia os visitantes pelos lugares de Porto Alegre ocupados pelo movimento Hip-Hop. As estações do Trensurb são, muitas vezes, pontos de encontro para seguir até o Mercado Público, lugar emblemático palco de vários encontros e batalhas do ritmo. Assim, diversas singularidades de Porto Alegre, como os bancos vermelhos do trem, a paisagem do trajeto que liga a Região Metropolitana à Capital e os grafites do Centro Histórico se transformam em marcos importantes para quem vive do rap no RS.
— As intervenções no ambiente foram feitas no dia da inauguração mesmo. A galera que visitou deixou sua marca — conta Dicker.
A influência do gênero musical na moda também está presente, inclusive com peças icônicas como uma camiseta do rapper Sabotage, que faleceu em 2003, doada ao acervo do museu por familiares, e um figurino do grupo gaúcho J Clip.
Outro destaque do museu é a sala com pintura em neon, que homenageia outros elementos da cultura, como o breaking e o grafite, com referências ao dançarino Nelson Triunfo e ao grafiteiro Tio Trampo, que também deixou seu trabalho pelos corredores do museu. A estufa agroecológica, inaugurada ainda em 2022, virou um elo da comunidade da Vila Ipiranga com o museu. Uma vez por semana é realizada uma feira com os produtos ali produzidos, o que também ajuda a custear as atividades do espaço.