Ferreira Gullar dizia que a arte existe, porque a vida não basta. Só consigo pensar nestas palavras para traduzir o que vi, ouvi e senti na noite deste sábado (11) no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Com atuação arrebatadora, Vera Holtz provou que é, hoje, a mais potente atriz brasileira em atividade, merecedora de todos os prêmios que já ganhou - e que ainda vai ganhar.
Aos 70 anos, quase 50 deles dedicados aos palcos, a artista que a maioria de nós conhece das novelas (como não mencionar Mãe Lucinda, de Avenida Brasil?), decidiu brindar o público gaúcho com o que de mais precioso um artista pode dar: a entrega.
Ela saltou no abismo e entregou tudo ao encenar o texto disruptivo, atual e perturbador de “Ficções”, peça escrita por Rodrigo Portella, inspirada no best-seller “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, do brilhante historiador israelense Yuval Noah Harari. Com a segurança de quem sabe o que faz, a atriz “passeou” pelo palco mais tradicional do Estado e dominou a plateia do início ao fim, desde a primeira frase. Plateia que, aliás, encheu o teatro, em uma noite recheada de atrações na Capital.
Vera fez pensar, rir e chorar, improvisou, cantou e puxou palmas (não vou contar como), tudo em perfeita sintonia com a equipe - em especial, com o músico Federico Puppi, seu parceiro de performance, e também com os profissionais de bastidores, que neste espetáculo aparecem em cena. Tudo foi inovador. Tudo desconcertou.
Se você leu o livro de Harari, pode imaginar do que se trata. Se não leu, vou tentar resumir assim: durante uma hora e 25 minutos, Vera leva o espectador pela mão (às vezes pelos cabelos) para um mergulho profundo na história da humanidade. É uma reflexão sobre o Homo Sapiens - nós mesmos, que acreditamos tudo saber - e sobre nossa própria existência e capacidade inventiva.
Somos os únicos seres no planeta aptos a imaginar, criar e crer coletivamente em “coisas” como leis, religiões, nações, dinheiro, bancos, empresas e governos. E foi essa aptidão que nos fez chegar ao topo: nos tornamos os mandachuvas da cadeia alimentar, com poder, inclusive, para destruir nossa própria espécie (e não só ela).
Toda essa complexidade desfilou diante de espectadores boquiabertos, em um show de interpretação, música, luzes, sonorização, cenografia, figurino e imagens, com humor e dramaticidade na medida certa, com força o suficiente para chacoalhar o público. Saí do teatro "sem ar", com os olhos marejados e a garganta apertada. Foi o que vi de melhor em muito tempo na cena teatral. Precisei de alguns minutos para me recompor. Escrevo, também, por isso.
A verdade, meus amigos, é que Ferreira Gullar nunca esteve tão certo.
Ainda dá tempo
Neste domingo (12), há uma sessão de “Ficções” às 18h. Depois disso, na próxima semana, haverá apresentações de quinta (16) a sábado (18), às 20h, e no domingo (19), às 18h, todas no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), em Porto Alegre. Ingressos a partir de R$ 80, à venda pelo site theatrosaopedro.rs.gov.br (com taxa) ou na bilheteria do teatro (sem taxa).
Elogios ao teatro
Ao final do espetáculo deste sábado (11), Vera fez questão de elogiar o nosso Theatro São Pedro. Disse sentir-se honrada por poder se apresentar naquele palco e arrematou:
— Vocês têm um teatro sensacional e muito bem cuidado. Parabéns por cuidarem tão bem do Theatro São Pedro.
Cachaça e muito mais
Durante sua passagem pelo Estado, Vera está aproveitando para curtir o RS. Ela me contou, em visita a GZH, na última semana, que já foi até Ivoti, a 55 quilômetros da Capital. Lá, visitou a Cachaçaria Weber Haus. Fez o passeio guiado e provou a iguaria, que conhece bem.
Depois, ela ainda fez uma parada na confeitaria Doce Sabor, de onde saiu encantada, “cheia de cucas e roscas de polvilho”.
— Foi uma delícia. Até cuca com linguiça a gente comeu — contou ela, feliz da vida.
A atriz ainda quer tirar um dia para fazer compras na Tramontina, em Carlos Barbosa.