Falar sobre aborto no Brasil - como no mundo - é mexer "com um vespeiro", como dizem lá no Interior. Tanto mais, quando quem fala é uma mulher e esta mulher tem a coragem de externar a posição que a gaúcha Rosa Weber manifestou nesta sexta-feira (22).
Com a firmeza e a serenidade que lhe são peculiares, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou a favor da descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação. Foi um voto corajoso.
O julgamento prosseguirá no plenário da Corte, em data ainda a ser definida, a pedido do ministro Luís Roberto Barroso. Relatora do processo, Rosa fez questão de pautar a ação no sistema eletrônico para conseguir apresentar sua posição antes de deixar a função - em outubro, ela terá 75 anos, limite de idade para a aposentadoria de ministros do Supremo. Caberá a Barroso, seu sucessor na presidência, dar continuidade ao assunto em plenário, em uma audiência que, por certo, será marcada por longo e polêmico debate.
Em seu voto de 103 páginas, a ministra destacou algo que precisava ser dito: as mulheres foram excluídas dessa discussão, como "sujeitos de direito", na década de 1940, quando o Código Penal criminalizou o aborto "de forma absoluta".
"Fomos silenciadas!", escreveu a presidente do STF. "Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade".
Ela está correta e, de forma contundente, defendeu a importância da autodeterminação da mulher, reforçando algo que deveria ser óbvio: a questão do aborto, ainda que tenha cunho religioso, é, antes de tudo, um problema de saúde pública. Para quem não sabe, é uma das quatro causas diretas de mortalidade materna no Brasil.
Rosa argumentou que "a criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas" que envolvem o tema, como apontam as estatísticas. Na prática, a criminalização, segundo ela, "perpetua o quadro de discriminação com base no gênero", porque nenhum homem é reprovado, ou pelo menos tem sido assim há anos, por sua liberdade sexual, "tanto que pouco - ou nada - se fala na responsabilidade masculina".
Mesmo nas situações de aborto legal, destacou a ministra, "as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade". Não pode mais ser assim. E um assunto como esse precisa, sim, ser debatido por mulheres. Só elas sabem, de fato, o que é gerar uma nova vida. Independentemente do resultado final, Rosa Weber falou como juíza e como mulher.
Leia abaixo o voto da ministra na íntegra: