Tudo começou em Porto Alegre, sem a gente se dar conta. No início, parceria apenas mais um protesto contra o aumento das passagens de ônibus, algo que se repetia todos os anos. Só que não. O reajuste nas tarifas foi suspenso, mas as ruas não se calaram. Ao contrário. As ruas foram tomadas por uma onda de insatisfeitos. Um tsunami. E não, não foi só por 20 centavos.
Foi por que mesmo? Dez anos depois das Jornadas de Junho de 2013, ainda é difícil compreender e traduzir em palavras o que significou aquele levante popular fermentando em um caldo de mal-estar social generalizado. Foi a revolta do “contra tudo e contra todos”, um grito de asco coletivo à política e aos políticos tradicionais, ao poder constituído, à corrupção sistêmica e à precariedade dos serviços públicos. Sobrou até para a Copa do Mundo.
Nunca, até ali, um movimento popular tão grande havia sido organizado, no Brasil, por meio das redes sociais, sem líderes definidos e sem pauta unificada.
A mobilização começou com a esquerda e suas bandeiras, mas, aos poucos, ganhou outros matizes e foi apropriada pela direita, uma nova direita. Autoridades atônitas tentaram negociar trégua em vão: não havia um “cabeça”. As manifestações eram difusas e confusas, uma mistura improvável de famílias da classe média com black blocs anarquistas.
Desde então, não houve mais marasmo no país do “deixa para depois”. Explodiu a Operação Lava-Jato, perpetuou-se um novo impeachment e um ex-presidente foi condenado e preso. A esperança travestiu-se em cólera, e o país elegeu um político extremista que, embora fizesse parte do jogo há décadas, dizia ser antissistema.
A revolta contra os partidos acabou por desencadear uma mudança, sim, mas de nomenclatura. As velhas siglas perderam as letras e ganharam nomes bonitos. No fundo, eram (e são) as mesmas de sempre.
Em um roteiro inverossímil, o ex-presidente preso foi solto e se tornou presidente outra vez. Houve uma tentativa de golpe de Estado. O famoso “centrão” não só ficou mais forte, como manda e desmanda no país.
E as ruas? Bem, as ruas se dividiram como nunca, numa guerra fratricida sem fim. Em 2013, o “gigante acordou”, sim. Mas se mostrou um ser raivoso, ressentido e intransigente. O Brasil mudou para pior.