Fui até Dom Jaime Spengler, na Cúria Metropolitana, para ouvi-lo sobre o momento atual. Não sou católica, como muitos dos que me lêem também não são, mas acredito que as palavras de um líder espiritual como ele têm força. Ainda mais em situações de crise, como o massacre vivido em Blumenau (SC).
Arcebispo de Porto Alegre, amigo pessoal do Papa Francisco e vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime é conhecido pela ponderação, por ouvir mais do que falar e pela capacidade de diálogo. Nesta quinta-feira (6), entristecido com o assassinato brutal e incompreensível de quatro crianças a machadadas, ele pediu um minuto de silêncio durante a celebração da missa na Catedral Metropolitana.
Fui até ele antes disso, sem imaginar o que viria pela frente, no início de uma semana carregada de sentidos para a tradição cristã, quando pessoas do mundo inteiro refletem sobre a vida e fé. Em uma conversa de uma hora, falamos sobre os males que minam a sociedade e o que cada um pode fazer para mudar isso.
Depois de tudo o que aconteceu, uma entrevista nunca fez tanto sentido. A seguir, leia os principais trechos.
Vemos cada vez mais violência e agressividade na sociedade. O que está acontecendo?
Estamos vivendo uma espécie de esgarçamento do tecido social. Isso se tornou ainda mais contundente nos últimos anos. As redes sociais são terra de ninguém. Por trás do anonimato, expressa-se o que de pior o ser humano é capaz. Isso tem repercutido negativamente em todos os setores. Poucos se interessam em considerar o que está sendo dito. Apenas dizem: “Eu vi na internet e pronto, acabou”, e isso passa a ser quase um dogma. A frase maldosa e a palavra de ódio reverberam e causam muito mal.
O que fazer para mudar isso?
Precisamos resgatar a dimensão do diálogo, da compreensão. Vou usar uma imagem que todo mundo conhece: as crianças gostam de jogar pedrinhas na água, não é? Pois a física quântica mostra, com dados objetivos, que aquela pedrinha na água cria movimentos circulares que transformam o universo. Isso vale, também, para as palavras que a gente usa. Positivas ou negativas. Precisamos pensar mais nisso e em fazer o bem. A Páscoa é uma oportunidade para essa reflexão e para voltarmos ao essencial.
Para quem não é católico, como se traduz esse retorno ao essencial?
A Semana Santa é um momento para retomar aquilo que nos sustenta, que nos orienta, que nos inspira, seja em termos de comunidade de fé, seja em termos de sociedade civil. A maior contribuição que cada um de nós pode dar é, de alguma forma, colaborar para deixar a sociedade melhor para as futuras gerações, independentemente de pertença religiosa, de partido político, de raça, de qualquer coisa. Fazer o bem, bem. Sem distinção. Isso está ao alcance de todos, católicos ou não.
E aqueles que usam o discurso da fé de forma errada?
Vejo uma ambiguidade aí. Há uma diferença entre a prática religiosa e a experiência de fé verdadeira. Quem realmente compreende o que Jesus propõe, sabe disso. Há uma tendência de achar que Jesus veio se ocupar dos puros, dos anjos, mas ele veio se ocupar das pessoas, e das pessoas como elas são. Jesus não é um mito. Quem não entende isso, confunde tudo. Ele foi um homem que passou entre nós fazendo o bem, e fazendo o bem em todas as coisas. Eu creio que é esta a grande indicação que podemos colher para a nossa vida.