Se você é de outra cidade, cuidado. Não se atreva a mencionar os defeitos da Capital gaúcha para um porto-alegrense “raiz”. Há uma regra tácita intransponível do lado de cá do Guaíba: só os nativos estão autorizados a falar mal do “portinho”, com muito orgulho.
Sim, porque se tem algo característico do porto-alegrense, esse ser único no mundo, é a autoestima elevada e o peito estufado, até na hora de criticar o lugar onde vive. Mais ainda, se for para defender o seu chão, mesmo que ele seja todo esburacado.
Soa contraditório? Pois essa é a graça da coisa.
Ouse dizer que São Paulo é melhor. Ouse! Se o interlocutor for um porto-alegrense da gema, provavelmente ele vai arregalar os olhos e protestar com o dedo em riste. Cheio de razão, irá enunciar por longos minutos as qualidades inquestionáveis desta “mui leal e valerosa” trincheira ao sul do Brasil.
— Ibirapuera? Bah, tás de brincadeira! Melhor mesmo é a Redenção, tipo o Central Park, manja? — dirá o ser à sua frente, senhor de si, com a térmica no sovaco e a cuia na mão.
Esse é o porto-alegrense nato. Você nunca tem certeza se ele está falando sério ou de brincadeira. É um misto de soberba, rabugice e ironia fina, de quem também sabe rir de si mesmo. É divertido pacas. E é do contra sempre.
Quer dizer, quase sempre. Convide-o para comer um xis na Lancheria do Parque, uma salada de frutas com sorvete no Mercado Público ou um churrasco suculento no Barranco e veja só o que acontece. Ele não apenas aceitará o seu convite na hora, como irá exaltar tudo que há de bom na gastronomia local - e ainda irá arrastá-lo para uma saideira no Bar do Beto.
Ai de você, se ficar em dúvida. Vai por mim, melhor não contrariar…
Não, eu não nasci em Porto Alegre e sei perfeitamente que corro sérios riscos ao escrever essas mal traçadas linhas. O porto-alegrense aí do outro lado, com certeza, já torceu o nariz e está “tapado de nojo”.
Mas eu tenho uma justificativa. Vivo na urbe há tanto tempo que já me tornei um deles. Sim, virei a casaca e posso provar: falo “néam”, “tréass”, “céava”, “oárla”, “parcããão”, “ããhã” e conheço a Isabela Fogaça. Virei a Magra do Bonfa, versão feminina do inesquecível personagem de André Damasceno.
E é justamente por me considerar parte desse lugar tão singular que finalizo esta crônica desejando feliz 251 anos para nós, moradores desta Capital. Parabéns, Porto Alegre, por ser a melhor cidade do mundo. Quiçá, do universo.