Aos poucos, dados públicos mantidos em sigilo (nem sempre com justificativas consistentes) durante o governo de Jair Bolsonaro começam a vir à tona. É o caso dos gastos com o cartão corporativo da presidência, motivo de cobranças ao longo da gestão que se encerrou. As primeiras análises (são centenas de dados em uma planilha) já indicam quanto Bolsonaro gastou com hotéis e com itens comprados em estabelecimentos como sorveterias e padarias.
Os dados foram publicados no site da Secretaria-Geral de Governo, a partir de um pedido feito em 18 de dezembro de 2022 (após inúmeras tentativas anteriores), via Lei de Acesso à Informação. A solicitação partiu da agência Fiquem Sabendo e, na manhã desta quinta-feira (12), uma reportagem do Estadão deu destaque ao tema.
Em uma análise preliminar, que ainda precisa ser aprofundada, o arquivo divulgado pela secretaria aponta ao menos R$ 27,6 milhões em despesas do tipo em quatro anos. O montante é menor do que o registrado (em valores corrigidos pelo IPCA) nas gestões de Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, segundo as informações fornecidas pela mesma secretaria.
Se isso se confirma, por que, então, Bolsonaro se negou por tanto tempo a divulgar esses detalhes?
Talvez pelo fato de que os gastos em itens como diárias em hotéis de luxo e outras futilidades pudessem arranhar a imagem que ele sempre procurou construir, de "homem simples" e contrário ao que costuma definir como "mamata". Dentro dos R$ 13,6 milhões despendidos com hospedagem, segundo o Estadão, aparece, por exemplo, a soma de R$ 1,46 milhão (em quatro anos) paga a um hotel de alto padrão em Guarujá (SP).
É bom lembrar que isso sempre foi usual entre presidentes da República, até por questões de segurança. Chefes de Estado não são trabalhadores comuns. A questão é que, no caso de Bolsonaro, o desembolso contraria o próprio discurso, reverberado por seus apoiadores e explorado eleitoralmente.
Bolsonaro sempre fez questão de ser fotografado comendo em locais populares. Ao que parece, não pegaria bem que seus seguidores soubessem que o cartão corporativo registrou 1,2 mil compras (somando R$ 678 mil), em um mercado gourmet de Brasília, conhecido por quem aprecia a alta gastronomia.
Outro ponto que chama a atenção são as despesas com guloseimas. O levantamento sugere que, em cinco sorveterias, foram feitas 62 compras, chegando a R$ 8,6 mil. Não há nada de ilegal nisso, que fique claro. Mas será que é realmente necessário? E a questão moral? Um presidente, afinal, já ganha bem mais do que a média dos brasileiros.