Foi em uma noite de melancolia, em Brasília, há 32 anos, que José Fogaça escreveu aqueles versos, mais tarde eternizados na voz doce de Isabela Fogaça, sua companheira de vida. A canção, como às vezes acontece no mundo imponderável da arte e de tudo o que é humano, acabou se tornando uma espécie de hino informal. “Porto Alegre é demais” (quem não conhece?) virou um símbolo da cidade que neste sábado celebra 250 anos.
— A letra não fala de prédios, de grandes obras. Fala de pessoas, da forma de ser porto-alegrense. Há uma identificação imediata, por isso marcou tanto —conclui Isabela.
Porto Alegre tem, sim, um jeito especial. Quem veio de fora, como eu, percebe isso todos os dias, no sotaque arrastado ("néaam?") e no jeito de criticar a própria cidade. Aliás, já reparou que só quem vive na metrópole está autorizado a falar mal dela?
Porto Alegre me tem, não leve a mal. Quando cheguei aqui para estudar, em 1996, não gostei do que vi. Aos 17 anos, vinda do Interior, imatura e ansiosa, não entendi - tal qual Caetano, ao desembarcar em São Paulo - a “dura poesia concreta de suas esquinas”. Só depois compreendi, como ele, que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Custei a me adaptar e a me situar na imensidão de gente, prédios, trânsito e barulho.
Aos poucos, sem perceber, me afeiçoei à cidade que hoje chamo de minha. Aprendi a curtir o Parque da Redenção, a explorar a cena cultural única, a provar dos bons restaurantes, a destrinchar cada canto do Mercado Público, a amar a Orla (aliás, veja as fotos lindas nesta página, de Mateus Bruxel).
Hoje, como porto-alegrense por opção, olho para a celebração dos 250 anos como oportunidade de retomada. Desejo que a Capital supere problemas, deixe para trás os embates sem fim e olhe para frente. Porto Alegre, enfim, é mesmo demais.
Um pouco da história
Em Notas Sobre a História de Porto Alegre, Charles Monteiro conta que, em 1772, o governador da Capitania mandou melhorar os caminhos que ligavam Viamão ao Porto dos Casais, além de demarcar as ruas do povoado e os lotes dos colonos açorianos. Assim, em 26 de março daquele ano, o povoamento seria elevado a Freguesia de São Francisco das Chagas, dando início ao registro dos nascimentos, batismos, casamentos e óbitos de seus habitantes, data que os historiadores consideram a de fundação de Porto Alegre.
Porto Alegre é demais*
Porto Alegre é que tem
Um jeito legal
É lá que as gurias etc... e tal
Nas manhãs de domingo
Esperando o Gre-Nal
Passear pelo Brique
Num alto astral
Porto Alegre me faz
Tão Sentimental
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Quem dera eu pudesse
Ligar o rádio e ouvir
Uma nova canção
Do Kleiton e Kledir
Andar pelos bares
Nas noites de abril
Roubar de repente
Um beijo vadio
Porto Alegre me faz
Tão Sentimental
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Porto Alegre é demais!
* José Fogaça
ARTE: Porto Alegre e o Guaíba
É difícil falar da história de Porto Alegre sem lembrar da ligação com o Guaíba. As águas turvas que banham a Capital inspiram artistas desde sempre e, com Iberê Camargo, não foi diferente. Em 1942, o pintor eternizou uma cena cotidiana de outros tempos: um trecho da orla com singelas canoas e alguns pescadores, sem prédios no horizonte. Essa e outras telas integram a exposição Iberê e Porto Alegre – No andar do tempo. Organizada em homenagem aos 250 anos da Capital, a mostra está em cartaz na Fundação Iberê Camargo. Bem ali, na beira do Guaíba.