Três lotações do Auditório Araújo Vianna e aplausos entusiásticos no início, no meio e no fim do show resumem a homenagem dos admiradores gaúchos a Chico Buarque. Além dos formais "muito obrigado", ele só falou duas vezes em quase duas horas: quando se referiu ao neto Chico Brown como seu mais novo parceiro, e quando dedicou o show ao velho parceiro Wilson das Neves, que morreu aos 81 anos em agosto de 2017. Chico é um dos raros artistas que dispensa palavras para se comunicar com o público, pois o que ele tem a dizer está nas canções. Sem falar, transmite um simpatia contagiante, as pessoas ficam felizes, sorriem, se sentem em casa.
Caravanas, que desde dezembro passado vem renovando o contato de Chico com seu público, seis anos depois da turnê anterior, é um espetáculo previsível. As músicas e sua ordem no roteiro são conhecidas de todos. Com pequenas alterações, a banda (um septeto afiadíssimo) está junta desde 1987, e anos após anos os arranjos são do mesmo Luiz Claudio Ramos. No entanto, quando todos esses aspectos se materializam naqueles momentos que temos diante de cada um de nós, a novidade da vida se manifesta e ganha corpo. E vemos em Chico Buarque e sua música um parente querido que nos visita há muito tempo, tenhamos 22 anos, como seu neto, ou 73, como ele.
Tirando Minha Embaixada Chegou, composta por Assis Valente em 1934, que abre e fecha o show, e Iolanda, de Pablo Milanés, gravada por Chico em 1984, estão no roteiro 28 músicas dele de várias épocas, sendo as mais antigas Retrato em Branco e Preto e Sabiá, ambas de 1968 em parceria com Tom Jobim. Quando, sexta passada, terminou de cantar Sabiá, uma triste canção de exílio, o público não resistiu e veio o primeiro coro de "Lula-livre" preenchendo o Araújo – o outro viria no fim. Antes, o momento de maior explosão de aplausos e gritos foi quando Chico cantou a última frase de Blues pra Bia, "até posso virar menina pra ela me namorar".
A obra dele é vastíssima, recheada de clássicos, mas devemos reconhecer que o roteiro do show Caravanas é dos mais refinados e meticulosos que já fez. Nada está fora do lugar. Perfeitas as sete músicas selecionadas do último disco, entre elas Desaforo, Tua Cantiga e a própria As Caravanas. Perfeitas as reminiscências com Partido Alto (1972), Gota d’Água (1975), Homenagem ao Malandro (1977), A História de Lilly Brown (com Edu Lobo, 1983). Um bis que potencializa a empolgação do público, Geni e o Zepelim (1978) e Futuros Amantes (1993), mais o tris de homenagens, Paratodos. Se Chico seguisse, as pessoas não arredariam pé.
Às vezes um show vale por mil discursos.