Marcelo Corsetti e sua banda XQuinas estão com dois discos novos na parada. Na verdade, um é o DVD A ustedes, da cantora e compositora uruguaia Ana Prada, mas Corsetti tem pelo menos metade da responsabilidade por ele. O outro é London sessions, sétimo álbum do guitarrista, compositor e arranjador, sem exagero um dos grandes nomes da música instrumental brasileira.
Podemos começar com o DVD, gravado ao vivo no Teatro CIEE, em Porto Alegre, em 2012 – lançado só agora devido a vários contratempos, esteve a ponto de não sair, o que seria uma lástima, pois é uma bela aula de identidade cultural. Corsetti e Matheus Kleber (pianista e acordeonista da XQuinas) revestiram o repertório de Ana com arranjos bem diferentes das gravações dela. Resultou uma terceira via, que enriquece ambos os lados.
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Nome importante da nova canção uruguaia ao lado de seus primos Jorge e Daniel Drexler, Ana tem três álbuns individuais. Sua música cruza canção urbana e elementos rítmicos do folclore com acento pop e letras incisivas, como a da milonga Soy pecadora, um de seus maiores sucessos, que fecha o show: "Soy pecadora/ Los santitos huyen de mi agenda/ Soy mala/ Dueña de todos los pecados/ Perra, perra mala", diz um dos versos. Para reforçar tudo isso, tem uma bela voz de timbre grave, muito particular. A formação de Corsetti está plenamente à vontade com o estilo dela, agregando aos arranjos o componente jazzístico natural de seu trabalho próprio. Sem falar que ele adora acompanhar cantoras. São 14 músicas, entre elas Tu vestido, Tierra adentro, Soy sola, Mientras tanto e, com a participação de Gisele De Santi, Juveniles brios.
Além de Corsetti e Matheus, na gravação desse DVD o Xquinas tinha na bateria Luke Faro e no baixo Rodrigo Reinheimer, que em London sessions dá lugar ao tarimbado e múltiplo Lucas Esvael. É uma banda integradíssima, que toca com evidente prazer. Gravado ao vivo em apresentações no London Pub, um dos bares mais legais da Cidade Baixa, o álbum é uma espécie de resumo da criação de Corsetti e seus camaradas. As 10 faixas têm desde composições do primeiro disco (1992), como Fusão (de Luiz Carlos Borges e Alegre Corrêa, única não assinada por ele), até mais recentes, como a especialmente climática A corrida de Zirbo, Garve, Big Lark e Dark Brown na cancha reta de Giruá, lembrando cavalos famosos do turfe. Pautada pela ótima guitarra, a música de Corsetti pode ser definida livremente como jazz gaúcho.
Mas, mesmo à frente de dois álbuns de primeira linha, ele anda se sentindo meio amargo nos últimos tempos. Reclama que o espaço para a música instrumental está cada vez mais restrito e que vem desacreditando "dessa coisa de internet", diz que vai voltar a fazer divulgação "à moda antiga", isto é, visitar jornais, rádios e TVs.
– Troco 10 mil likes no Facebook por uma capa do Segundo Caderno. Por enquanto, o Facebook não me ajudou em nada – argumenta. – Falo com as pessoas e muitas me dizem o mesmo. A coisa tá difícil, o público não sai de casa pela violência e a falta de dinheiro. Lembro de uma época em que havia muitos bares e a gente ganhava bem. Aí, passou a haver muitos bares e a gente ganhava mal. Hoje são poucos bares e a gente ganhando pior. Como não tenho alternativa, vou fazendo as minhas coisas...
A USTEDES
De Ana Prada & Xquinas
DVD, com direção de Rene Goya Filho: R$ 30.
CD: R$ 20.
Estação Filmes/Tec Áudio, à venda em lojaproduto oficial.com.br.
LONDON SESSIONS
De XQuinas
CD independente, R$ 15, à venda em lojaproduto oficial.com.br.
LANÇAMENTOS
SAMBANTOLOGIA
Nó em Pingo d’Água
Criado em 1979, e há mais de 10 anos sem lançar disco, o grupo instrumental carioca reaparece marcando presença nas comemorações do centenário do samba. O “banto” inserido no título refere-se a uma das possíveis origens do gênero musical forjado entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Músicos de alto nível, Mário Seve (flautas, saxes), Rodrigo Lessa (bandolim, violão de aço), Rogério Souza (violão) e Celsinho Silva (percussão) reúnem exemplos clássicos de nove modalidades do samba, chegando a uma síntese perfeita. Abre o disco aquele que é tido como o primeiro samba gravado, Pelo telefone (Donga/Mauro de Almeida). Os outros: Se você jurar (Ismael Silva/Francisco Alves), Samba da minha terra (Caymmi), Último desejo (Noel Rosa), Conversa de botequim (Noel/Vadico), Copacabana (João de Barro/Alberto Ribeiro), Samba de uma nota só (Tom Jobim/Newton Mendonça), Nanã (Moacir Santos/Mário Teles) e O morro não tem vez (Tom/Vinicius).
Biscoito Fino, R$ 29,90. Disponível nas plataformas digitais
VIAJANTE
Rafael dos Santos e Eduardo Lobo
Uma história incomum: há mais de 30 anos professor do Departamento de Música da Unicamp, o pianista Rafael dos Santos foi o orientador do trabalho de mestrado do violonista/guitarrista Eduardo Lobo sobre Radamés Gnattali. Isso em 2011. Um dia, mestre e aluno começaram a tocar juntos e se identificaram muito na confluência popular/erudito, formando o duo. Atualmente fazendo doutorado, Eduardo também integra o ótimo grupo de choro elétrico Quatro a Zero, de Campinas, com três álbuns lançados. Gravar o primeiro do duo foi apenas uma questão de tempo. O disco começa com a Suíte popular brasileira para violão elétrico e piano, de Gnattali – cada um de seus seis movimentos foi criado sobre um ritmo da música popular. Também do compositor gaúcho o duo interpreta Valsa triste e a Sonatina para violão e piano, em três movimentos. De Rafael são as composições Viajante e Chorando no alto.
Independente, R$ 25 por encomenda a eduardo.lobo@gmail.com
SETE
Marcos Davi
Violonista porto-alegrense radicado em São Paulo, Marcos Davi foi aluno de James Liberato, Eduardo Castañera e Ulisses Rocha e se diz influenciado também por Egberto Gismonti, Baden Powell, Ralph Towner e Raphael Rabello. Mas mestres desse quilate não afetam a naturalidade de seu estilo violonístico, limpo e ágil, com grande senso rítmico. Sete é seu terceiro álbum, gravado entre São Paulo e a cidade francesa de Besançon, onde viveu algum tempo, dando aulas e fazendo recitais. A faixa de abertura, Eleonor Rigby (Lennon/McCartney), é um tour de force de seu violão combinado com a guitarra do ex-professor Ulisses. O samba Exemplares, dele, tem violão e baixo fretless. Arrastão (Edu Lobo/Vinícius de Moraes) é antecedida por um longo solo do baterista Vlad Rocha. Pra dizer adeus (Edu Lobo), apresentada em versão para o francês, é a única com banda e cantada pela voz suave de Lusie Etienne. Parla, R$ 18, em mercadolivre.com.br