Izabel Padovani é a única das três que não compõe, mas a forma como incorpora as canções é como se o fizesse. “Ela canta com precisão e versatilidade típica de grandes instrumentistas”, escreveu o respeitado crítico Carlos Callado sobre seu primeiro álbum, de 2006. Recém tinha voltado de Viena, onde viveu durante 10 anos e onde conheceu o baixista Ronaldo “Gringo” Saggiorato, que integrava o grupo gaúcho Circuito Emocional. Não se separaram mais, e desde 2011 têm atuado como duo de voz, baixo elétrico de seis cordas e percussão vocal. Só. Este Aquelas coisas todas é o sexto disco deles. Um trabalho brilhante, de sonoridade única.
Você vai se empolgando com aquela voz de timbre clássico, em que nada sobra/nada falta, dialogando intimamente com um grande instrumentista. E um repertório de puro lirismo brasileiro. Começa com Baião de quatro toques (Zé Miguel Wisnik/Luiz Tatit), tem o frevo Vô Alfredo (Guinga/Aldir Blanc), o choro Falando de amor (Tom Jobim), os sambas É preciso perdoar (Alcyvando Luiz/Carlos Coqueijo) e Gávea (Alegre Corrêa/Márcio Tubino) e Aquelas coisas todas (de Toninho Horta, cantado em scat), o ijexá Na virada da Costeira (Chico Saraiva/Paulo César Pinheiro). E mais, de Rosa Passos, Marlui Miranda...
Por coincidência, Priscila Meira também passou 10 anos em outro país, no caso a Itália, em Milão, onde lançou o primeiro disco, Priscila popular brasileira. Chegou já sabendo tocar piano e violão, lá estudou canto, atuou em teatro e foi vocalista do grupo Bossa & Jazz. Desde 2009, na volta ao Brasil, vive praticamente na ponte-aérea São Paulo-Porto Alegre. Entre outras coisas, participou do último Musicanto e do Festival de Música de Porto Alegre e é produtora e apresentadora do Sarau Universal do Reino de Zeus. Com todas as músicas compostas por ela, o novo álbum, Alquimias do amor, foi gravado na capital gaúcha.
Melodista inspirada, letrista de amplos recursos na temática dos amores, Priscila domina a linguagem do samba e tem uma voz linda, acariciante. Para fazer a direção musical, chamou o bamba Mathias Pinto (arranjos, violão 7 cordas) e se cercou de músicos do calibre de Rafael Ferrari, Vinicius Ferrão, Giovani Berti, Sandro Bonato. O disco, então, é resultado de ótimas confluências, respira muito bem no samba solto e na canção mais sutil. Entre as faixas, cito Longe da Gaiola (participação de Adriana Deffenti), Em face ao desengano (com o Grupo Vocal Expresso 25) e Aquele dia (com o acordeão de Matheus Kleber).
Para chegar onde queria, e ao primeiro disco, Pontos, Rezas e Milongas, Carolinne Caramão saiu de São Sepé, cantou em festivais nativistas do RS e em bares de SP, conheceu a umbanda, estudou canto lírico na UFSM. Em 2004 ancorou em Salvador, integrando-se à cultura baiana durante quatro anos, até nova escala em São Paulo antes de retornar, em 2009. Em Porto Alegre, encontra o percussionista uruguaio Mimmo Ferreira e entra na nova vida, de cantora e compositora afrobrasileira do Sul. Em esquema de superprodução, o álbum de estreia de Carolinne pode desde já ser considerado histórico.
Entre ponto-de-umbanda, candombe, samba-enredo, maçambique, chula, assinados por ela e parceiros, mais Kako Xavier, Raul Ellwanger, Marco Aurélio Vasconcellos, Richard Serraria e tal, com letras sobre entidades e personagens do universo afro, com produção de Pedrinho Figueiredo, Carolinne e Mimmo fazem um trabalho altamente rítmico, percussivo, colorido. Muitos grandes músicos estão nele, do baiano Bule Bule ao mineiro Chico Lobo e à gaúcha Simone Rasslan. Ela dedica o disco à cantora Loma Pereira. Com sua voz bela e forte, é a branca mais preta do RS.
OS DISCOS
ALQUIMIAS DO AMOR
De Priscila Meira
Independente, à venda na Palavraria, R$ 36.
Infos (51) 9346-4595.
AQUELAS COISAS TODAS
De Izabel Padovani e Ronaldo Saggiorato
Independente, distribuição Tratore, R$ 25.
PONTOS, REZAS E MILONGAS
De Carolinne Caramão
Fumproarte, à venda no blog de Carolinne, R$ 25.
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ANTENA
O CANTADOR DE HISTÓRIAS!
De Jorge Vargas
A história de Jorge Vargas começa nos anos 1970, como líder do Hallai Hahlai. Depois criou a Cavalo Doido, que em maio fez 20 anos e segue na ativa. Tanto nos grupos como neste trabalho solo, ele nunca desviou do gênero ao qual se ligou desde que pela primeira vez ouviu um disco de Neil Young, o folk & country carimbados pelo rock – o nome Cavalo Doido homenageia a banda de Young, que por sua vez presta homenagem ao pele-vermelha que matou o general Custer. A faixa de abertura, um rock’n’roll forte, se refere a isso. O peso instrumental da banda e letras bacanas sobre índios, música e mulheres, fazem um disco bem bom de ouvir. E ainda por cima está recheado de convidados como Bebeto Alves, Oly Jr., Veco Marques, Zé Caradípia, Gambona, Léo Ferlauto. O velho guerreiro continua em forma. Independente, R$ 25, à venda no Blog do Cavalo Doido. Show de lançamento dia 25 de agosto no Sgt.Peppers.
SAMBA ORIGINAL
De Pedro Miranda
Ninguém menos que Ruy Castro avaliza o novo disco do cantor revelado anos atrás na refundação da Lapa como centro da nova boemia carioca do samba e do choro. “Ele é a prova de que o samba tem um grande passado pela frente”, diz Ruy. Desde o bigode, o ofício original de pandeirista e a naturalidade do intérprete de sambas, Pedro Miranda lembra Miltinho, grande sucesso dos anos 1960. Canta muito. Mas as coincidências param aí. Em disco produzido exemplarmente por Luiz Felipe de Lima, com ótimos instrumentistas, guitarras distorcidas (Pedro Sá, Arto Lindsay) e cavaquinho (o gaúcho Luís Barcellos) convivem em harmoniosa combinação de tradição, novidade e surpresas. A razão dá-se quem tem, de Noel Rosa, por exemplo, tem a participação de Caetano Veloso. Entre os autores, Assis Valente, Elton Medeiros, Batatinha e Aldir Blanc. Se você gosta de samba, vai se surpreender. Tratore R$ 28.
MILAGRE
De Gabriel Improta
Em 2015, Gabriel Improta se doutorou em antropologia da música, com uma tese sobre o samba-jazz. Aí já se pode ter uma ideia do som feito por este carioca que tem o DNA da música instrumental. É neto da pianista clássica Ivy Improta e filho do também pianista Tomás, só que escolheu o violão e a guitarra para se expressar. Gabriel lidera o grupo Garrafieira e de Caetano Veloso a Elza Soares, já tocou e gravou com meio mundo da MPB. Claro que este seu terceiro álbum solo tem samba-jazz, mas vai além disso, num vigoroso e fluente trabalho de composição, arranjos e interpretações compartilhado com músicos do primeiro time, como Marcos Suzano, Carlos Malta e Dirceu Leite. Ao lado de músicas próprias, como o sensacional Choro para McCoy, estão composições de Tom Jobim (Passarim), Caymmi (Milagre), Gismonti (7 aneis) e João Donato (Férias no Acre), com o próprio no piano. Selo Kalimba, R$ 25.