“A guerra é sempre a primeira escolha dos que não têm que lutar” (Bono Vox – U2)
A diversidade humana é tão rica, e tantas vezes original, que nunca cansamos de nos surpreender. E, quando nos convencemos de que, agora sim, temos um jeito de ser, porque afinal amadurecemos, mais expostos estamos a ser apanhados em situações desafiadoras, essas que fogem da monotonia do cotidiano.
E nada se compara à doença como fonte de insegurança e medo para qualquer pessoa.
É nesse turbilhão de ansiedade que circula o médico, falível como todo ser humano e tendo como único escudo a solidão do bom senso.
Isso posto, fica fácil depreender o tipo de pressão psicológica que se impõe a quem pretenda cuidar de todos os que lhe pedem socorro, com dedicação máxima, e ainda preservar a sanidade mental para ser a âncora afetiva de sua própria família.
Este enorme desafio de exigência constante pode explicar, pelo menos em parte, a fadiga emocional, usada como justificativa para bloqueio de uma relação médico-paciente mais presente e afetuosa.
E o distanciamento assim programado provoca as queixas reiteradas de consultas relâmpago, explicações escassas e ordens explícitas para a secretária jamais disponibilizar o celular do doutor.
A recomendação de que o paciente, diante de qualquer dificuldade, deva procurar a emergência dos hospitais, submetendo-se à impessoalidade desse tipo de atendimento, libera o médico da inconveniência dos chamados alheios à agenda, mas compromete a relação de confiança, que, a partir dessa indisponibilidade, será norteada pelo pacto rígido do horário comercial.
A transformação do médico em um funcionário da saúde, com relógio ponto, e a passagem do turno como uma troca da guarda podem parecer adequadas para estabelecer padrões de atendimento profissional em saúde pública, onde os pacientes humildes nem sonham com o direito de escolha, mas em nada se assemelham ao médico idealizado por quem adoeceu.
Por incompreensíveis razões, a formação médica está sendo vilipendiada, na liberação indiscriminada de escolas improvisadas, no empobrecimento do currículo e na desvalorização da residência, última chance de diferenciação técnica, como se qualificação fosse um bem supérfluo.
Além disso, a insanidade de quem escolhe esse modelo para gerir a saúde dos outros (que, aliás, nunca reservaria para si), espanta qualquer resíduo de humanismo.
E os médicos assim formados, de tão parecidos com os robôs, serão substituídos, com vantagem e justiça, por robôs verdadeiros, igualmente rígidos, mas infinitamente mais sábios.
Temo que se essa visão assustadora não tenha nada de exagero.
A medicina de verdade, entendida como a arte de fazer ciência com doçura, generosidade e entrega, da qual só abrem mão os saudáveis imprevidentes, está sendo criminosamente ameaçada pela enxurrada de novos formandos, que, na corrida pela sobrevivência, nunca terão tempo para descobrir a maravilha que é cuidar de quem sofre, ser reconhecido por isso e merecer gratidão.
E, entre os milhares de jovens médicos que serão sacrificados pelo sistema, estarão aqueles que carregam a vocação original, mas passarão pela vida sem ter a menor noção do que perderam.