"A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam." (Erich Hartmann, piloto da Segunda Guerra Mundial)
Como bem advertiu o brilhante Rodrigo Lopes em recente coluna em ZH, a paz, sempre enaltecida, nunca passou de uma condição excepcional ao longo da história da humanidade.
Da competição mais prosaica, a luta por alimentos envolvendo caçadores-coletores, nos primórdios da civilização, descrita por Yuval Noah Harari em Sapiens, passando por grandes transformações civilizatórias, como as guerras mundiais (com o ápice da maldade no Holocausto), seguindo-se com a Guerra Fria em passado recente, avançando para a Segunda Guerra Fria que se desenha e a Guerra Cibernética que se prevê, nunca houve _ e aparentemente não haverá _ um dia de paz completa neste planeta dos insaciáveis e inconformados.
O fato de que nascemos bons explica porque tantas vezes, quando a curva do comportamento humano pendeu para o mal, imediatamente um surto de bondade brotou de recém natos, e o equilíbrio foi restabelecido.
Então, mesmo considerando-se louvável o esforço do nosso Santo Papa (e os 265 que o antecederam) que, com seu ar sereno e benevolente, ensina-nos que devemos persistir na busca da pacificação dos filhos de Deus, parece ingenuidade imaginar a mais desacreditada das utopias modernas: a paz entre os homens.
Encanta muito mais a percepção do quanto os humanos podem ser surpreendentes em superação e generosidade diante das grandes vilanias. Há muitos anos, um aluno perguntou à grande antropóloga americana Margaret Mead qual era, na sua opinião, o primeiro vestígio de civilização humana, e ela disse: "Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica. Naquela época, caça ou caçador que sofresse uma fratura estava morto. A fratura consolidada encontrada naquele fêmur significava que alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a, alimentou-a e protegeu-a, ao invés de abandoná-la à sua sorte. O que nos distingue, enquanto civilização, é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros".
Tem sido assim nos grandes conflitos. O fato de que nascemos bons explica porque tantas vezes, quando a curva do comportamento humano pendeu para o mal, como se este fosse um novo jeito de sermos, imediatamente um surto de bondade brotou de recém natos, e o equilíbrio foi restabelecido.
No 11 de Setembro, quando os Estados Unidos provaram do seu próprio veneno e se sentiram violados como nunca antes, foram coletadas histórias comoventes da mais pura solidariedade. Como: "Eu tenho 80 anos. Meu uniforme da Segunda Guerra ainda serve em mim. Ainda enxergo bem. Ainda ouço bem. Mantive meu treinamento de piloto em dia. Avise a quem você puder, que estou pronto para servir".
Ou o garoto tatuado e cheio de piercings que queria a todo custo ultrapassar as faixas de isolamento e foi barrado por um oficial, que lhe disse: "Você é menor de idade e não pode ficar aqui!". E ele respondeu: "Seu guarda, eu fiz 18 anos ontem, e quero doar sangue. Acho que é o único jeito que eu posso ajudar!".
Ou então: "Seu guarda, eu estou clandestino nos EUA, mas será que não me deixam ajudar, como voluntário?".
Ainda agora, com a fuga em massa da guerra que está devastando a Ucrânia, milhares de refugiados invadiram os países vizinhos em busca de sobrevivência, que dependia, para começar, de um prato de comida e um cobertor. Os relatos de movimentos de solidariedade oferecendo abrigo temporário em habitações antes disponibilizadas para locações de turistas no regime de Airbnb dão sentido à esperança de que o bem, de um jeito tímido e silencioso, acabe vencendo. Como o Papa acredita.