Um grande país começa a ser construído com um grande povo. E uma dose de nacionalismo é indispensável para que um faça jus ao outro. Na falta desse quesito, nunca passaremos de um simulacro. Pretensioso, mesquinho e inconsequente. O atávico coitadismo brasileiro tem raízes profundas no passado de colonialismo, do qual temos dificuldades de nos livrar, por inércia, comodismo e preguiça, esse trio que rege o subdesenvolvimento.
A inacreditável compulsão por desvalorizar tudo o que é brasileiro entrega à concorrência o atestado pronto da nossa autoflagelação. Então, não procurem saber como estão as coisas no Brasil lendo os correspondentes estrangeiros. Eles não têm interesse em festejar-nos. Ao tradicional relato de violência incomparável e depredação escandalosa da natureza, acrescentaram a mortandade da pandemia para mostrar o país horroroso que temos. Tudo ao gosto dos interesses estrangeiros, preocupados em espantar a mais rica e barata das indústrias, a do turismo, e a desvalorizar a terra. Que, por razões suspeitas que os néscios fazem questão de ignorar, tem despertado o interesse crescente dos investidores estrangeiros. Esse comportamento é antigo, desde quando as celebridades que visitavam o Rio de Janeiro tinham assegurado um tour à favela do Vidigal (lembram?) para que todos pudessem levar aos seus países a imagem de nossa pobreza material, tradição que já revelava muito da atrofia da nossa autoestima.
O que a pandemia trouxe, no ano que não precisava ter existido, foi um surto de miserabilidade que misturou em porções generosas solidariedade hipócrita, pretextos políticos sórdidos, informações tendenciosamente manipuladas e eclosão de ideais patrióticos, sinceros como as lágrimas derramadas por cínicos calculistas, tão ridículos que não conseguiriam emprego em teatro mambembe. Aproveitando que a paranoia circulava com salvo conduto, uma parte influente da mídia tem funcionado, com uma desfaçatez que qualquer cérebro mediano repudia, como uma usina disseminante de medo, reconhecido como o mais eficiente instrumento de escravidão social. Tudo, absolutamente tudo pode ser exacerbado ou prevenido pelo medo.
As informações que revelem nossa pretensa inferioridade como país são exploradas diuturnamente com o despudor de quem confia no baixo nível intelectual da população, 50% dela sendo analfabeta funcional, ou seja, consegue ler, mas não é capaz de interpretar um texto. Essa é a massa de manobra que não despega o olho da telinha e faz elocubrações originalíssimas.
Um ingênuo que acreditasse que tudo é apenas ignorância deveria, a título de esclarecimento, responder a seguinte pergunta: o que, de fato, revela a mortalidade pela covid-19 em um país? O número total de mortos ou o percentual de óbitos por milhão de habitantes?
Segundo acompanhamento de John Hopkins University, que monitora a evolução diária da pandemia no mundo, entre os 10 países com mais de 55 mil mortes por covid, o Brasil é o sétimo colocado, quando calculada a relação entre o número de mortos e a população.
Que ninguém imagine a intenção de diminuir o tamanho da dor de cada uma das 240 mil famílias que prantearam seus amados, nem a indignação médica ao ver o presidente tripudiando os cuidados elementares na contenção da pandemia. Não é nada disso. A questão é não misturar as coisas, e tratar o país como se ele fosse a cloaca do mundo para conquistar a simpatia (!) de um mundo dito civilizado, que também continua sem saber como interromper a peste e segue empilhando seus mortos, silenciosamente.
Se não pretendemos emigrar assim que abrirem as fronteiras, é melhor que preservemos a nossa autoestima. E, para isso, recomenda-se abandonar a mídia que só fala do número crescente de óbitos sem jamais relacioná-lo com a população envolvida, porque isso vai ajudar a perceber que, apesar dos detratores, este país não é o pior do mundo, inclusive porque aqui se permite até ter opinião. Então, faça a sua parte, use máscara, lave as mãos e evite aglomerar-se, especialmente com os catastrofistas que intuíram, antes de todos, que pôr a culpa numa entidade abstrata é a forma mais fácil de ocultar a mesquinhez que os corrói. Como se ninguém mais percebesse!