Como consolar exige uma interação afetiva e temporal de sentimentos, e a empatia, que sempre foi escassa, nos últimos tempos encolheu, tudo passou a contribuir para fazer do consolo, como gesto humanitário, um grande desafio de sensibilidade.
Esta dificuldade faz com que rituais, como por exemplo o velório, que só se justifica pelo exercício do consolo e da solidariedade, se transforme, na maior parte do tempo, em suplício para quem tem que ouvir e desespero para quem se dispôs a falar, e antes de terminar a frase já percebe que o discurso não encaixou.
Grande parte do problema decorre da independência de sentimentos. O solidário na dor fala pouco, abraça muito, se comunica com o coração e tudo soa verdadeiro. Quem está apenas cumprindo a agenda da formalidade, não consegue parar de falar, e como, de fato, não tem o que dizer, se socorre do instrumento mais pobre da linguagem oral: a frase feita.
A frase mais ouvida, “tenha força!”, não faz o menor sentido, porque estar muito triste não tem a ver com sentir-se fraco .
Esta é a maior tortura para o consolado e uma angústia para o consolador, que sempre termina a arenga com a sensação de alívio pelo fim da provação. A frase mais ouvida, “Tenha força!”, não faz o menor sentido, porque estar muito triste não tem nada a ver com sentir-se fraco.
Alguns, percebendo que a tristeza é o problema, resolvem distrair o sofredor, contando histórias divertidas, presumivelmente vividas com o morto, e se sentem estimulados a acrescentar graça e proeza ao relato, porque a única testemunha possível não volta para confirmar. Nem a cara de desconfiança do filho, como a dizer “se isso tivesse ocorrido, eu saberia”, consegue frear o falastrão, determinado a demonstrar, com ares de homenagem, que “um tipo com esta esperteza e coragem não enterramos todos os dias”.
Um grupo especial é representado pelos mortos idosos, em que há uma tendência irrefreável de usar como consolo o argumento de que “afinal ele teve uma vida longa e feliz”. Impossível saber quem deu início a este coronavírus da idiotice. Sem querer ofender o vírus, a referência é por conta da rapidez comparável da propagação.
Sempre que se ouvir esta frase num velório, pode ter certeza que este consolador merecia um crachá que prevenisse o interlocutor da perda de tempo, anunciando: não tenho nada a ver com o seu sofrimento! Esta racionalização em velório de velhos só tem sentido para quem está afetivamente descomprometido, a ponto de considerar, inconscientemente, que tendo vivido mais do que a média, e não pretendendo tripudiar os mortos precoces, uma iniciativa bem razoável, reservada ao velhinho, é morrer!
Ignoram, os rígidos de afeto, que não se mede o significado da perda de alguém pelo que ele fez na sua vida, mas pela falta que fará na dos seus amados.
Mas esta percepção é uma exclusividade de quem amou e perdeu. Menos mal que enquanto os que amam com os olhos podem esquecer, os que amam com o coração, não.