A solidariedade é um pré-requisito para a sobrevivência no mundo do crime, sempre em sobressalto pelos fantasmas do medo e da vingança. Um parceiro deixado para trás equivale à assinatura de um contrato de morte, que todos os envolvidos sabem que se cumprirá, não importa quanto tempo demore.
Muito se diz que essas pessoas deviam ser exterminadas do convívio social por serem irrecuperáveis, e que a pena de morte seria a única solução para interrompê-los. Os proponentes dessa estratégia de redução da criminalidade ignoram que a pena de morte só atemoriza quem dá valor à vida, o que não passa nem perto dos sentimentos de quem cresceu à margem dos elementos fundamentais para quem projeta ser feliz. Sem isso, só lhes resta a ânsia da autopreservação, nosso primeiro instinto. Quem banalizou a morte não tem nenhum apreço pela própria vida, muito menos pela dos outros.
Na vida bandida, a única lei vigente é tentar alongar a sobrevida, admitindo-se que o sonho de velhice é uma utopia. Quem presta atenção nas imagens dos nossos presídios percebe imediatamente que lá não moram velhos. E isso não decorre de progressão de regime. Nada disso. A maioria, aliás, tem grande chance de ser executada antes mesmo que a extensão da sentença tenha sido formalizada. O que significa que a nossa pena de morte já existe. O que devia encabular uma sociedade civilizada é que ela foi homologada de um jeito muito selvagem, que não segue os ritos legais dos países desenvolvidos.
Neste recente e trágico episódio de tentativa de resgate de parceiros do crime, cercados pela polícia, certamente muitas das loucuras que resultaram na morte de inocentes tiveram como objetivo demonstrar o quanto se deve valorizar a parceria no crime, pressupondo-se com isso igual fidelidade, se e quando, algum dia, os papéis se inverterem. A ideia de colocar familiares no carro para dar ao traslado um ar de respeitabilidade domiciliar teve um toque de criatividade cinematográfica, e que provavelmente teria funcionado se o intento de furar a barreira policial não tivesse sido à noite e o veículo não portasse vidros fumê tão densos que tornava seu interior indevassável.
Depois da identificação das placas monitoradas pela polícia, a partir da ultrapassagem da primeira barreira, o tiroteio subsequente, ao melhor estilo Bonnie & Clyde, era completamente previsível. O fato constrangedoramente inesperado foi a presença entre os alvos de um menino e duas mulheres, cujo maior crime foi, talvez, ignorar os sinais de sociopatia dos seus amados, que culminou com suas mortes, anunciadas desde o dia em que o destino os aproximou.
Nessa aventura surreal, nada comoveu mais do que a morte do garoto de quatro anos, atingido por três tiros, um dos quais implodiu-lhe a cabeça. E então, do meio do quase nada que sobrou daquela família, emergiu uma avó, que apesar de destroçada na sua essência, encontrou forças para um gesto de extrema generosidade: doou os órgãos do garotinho muito amado, e com isso evitou que famílias desconhecidas fossem poupadas da dor de também perderem as suas crianças. Velando o filho, que aparentemente no desespero pelo tamanho da desgraça não encontrou melhor saída do que o suicídio, e no limite do sofrimento, ela colocou uma única condição: que lhe devolvêssemos logo o corpo do netinho inocente, para que ela pudesse, ao menos, enterrá-los juntos.