Uma das grandes injustiças da vida é a imposição de convívio, não importa se por razões profissionais, familiares ou outras, com pessoas ou situações que não gerem prazer. Devia ser sempre possível decidir onde estar e com quem. Todos reconhecerão utopia na busca dessa pretensão. Que seja, mas essa capitulação à rotina imposta pelo cotidiano não impede que ao menos fantasiemos o objetivo. Imagine só, que maravilha seria não sentirmos saudade dos nossos amados porque eles nos acompanhariam o tempo todo. Como as nossas conversas seriam mais calorosas, sem nenhum espaço para indiretas sutis e desconfianças explícitas!
E, de guarda baixa, teríamos liberdade e tempo de sobra para suportar juntos os inevitáveis dias difíceis e planejar futuros amenos e repartir saudades. Nenhuma data significativa seria negligenciada porque sempre haveria alguém por perto, que, tendo sido testemunha daquele momento precioso, estaria de lembrança em punho para sacudir a memória. E relembraríamos cada evento importante, e todos poderiam depor sobre o que consideraram inesquecível. E riríamos muito, e com a maior naturalidade nos comoveríamos, e terminaríamos a conversa abraçados. Que a distância dos nossos amados conspire contra essa possibilidade de intercâmbio afetivo, ah, isso é uma grande injustiça.
Foi o que pensei quando recebi do Homero, “meu irmão de sangue e de afeto” (é assim que ele muitas vezes se despede em conversas no WhatsApp), uma mensagem cheia de saudade do nosso pai, 12 anos depois da sua morte. A intenção era reverenciá-lo para todos os que conviveram com a doçura do nosso velho, e também para os que não tiveram igual sorte porque nasceram depois, as atitudes que definiam a personalidade cordial e generosa do seu Deoclécio. Eram coisas simples, mas que marcavam sua fidalguia e caráter. E o Homero relembrou duas delas:
— O gesto respeitoso de retirar o chapéu ou boné, ao cumprimentar uma pessoa. Qualquer pessoa. E a rotina de sempre nos acompanhar até a porta de saída. Lembro da noite em que ele tentou levantar do sofá para acompanhar-me, mas as pernas falharam. E ele disse: “Zely, acompanhe o Homero!”. Percebi mais tarde que ali, naquele momento, ele começara a partir.
Passados tantos anos, mas com esse choque de saudade estremecida, senti vontade de ao menos abraçar o Homero. E outra vez provei o desconforto de saber sempre longe quem devia estar mais perto.
E por um momento quis ter braços mais compridos.