Uma secretária experiente é capaz de redigir uma carta de recomendação irretocável. Uma pena que ninguém leia. Nada a ver com o talento da autora, mas simplesmente porque este é um documento tão solicitado quanto inútil. Como se convencionou que é uma grosseria entregá-lo lacrado, quem se sente confortável em denegrir a imagem do candidato que buscou seu apoio porque considerou que a sua opinião faria diferença no futuro dele? E, então, sem alternativas, devemos entregar um documento aberto, sem preocupação com os entretantos da sinceridade?
Alguns políticos, ao receberam pedidos absurdos dos seus apoiadores de campanha tão fiéis quanto medíocres, ficam num impasse: não podem negar amparo a quem os ajudou no passado e deve seguir ajudando no futuro, mas também não pretendem comprometer a sua imagem com os destinatários, oferecendo-lhes descerebrados com celofanes de genialidade. Neste sentido, são famosas as soluções criativas como, por exemplo, a cor da tinta, com significados que variam entre “leve a sério” e “esqueça este pedido, pelo amor de Deus”. Outros têm o cuidado de alertar seus correspondentes para o verdadeiro significado de “probidade inconteste”, “comprometimento incomparável” e “criatividade nunca vista”.
O problema é que a verdade, na maioria das vezes, é áspera e incômoda porque, infelizmente, por mais que nos esforcemos para agradar, as pessoas de fato interessantes são raras, e justo por serem assim, originalmente diferenciadas, já foram descobertas e não precisam da recomendação de ninguém. E, então, restam os que gostariam de ser e talvez nunca consigam, mas que não seja por falta de nossa ajuda, e aí voltamos ao início da meada e acabamos nos comprometendo.
No universo acadêmico, essa situação é muito frequente e desgastante. Aqui e no resto do mundo. Um professor, chefe do departamento de Medicina Interna de uma famosa universidade americana, escreveu um capítulo no livro The Best of Medical Humor, relatando a estratégia que adotou ao perceber o enorme desperdício de tempo e dinheiro envolvido na redação, durante um ano, de quase 300 cartas de recomendação de ex-estagiários e mestrandos de seu serviço em busca de postos de trabalho no mercado competitivo dos EUA. Idealizou, então, uma carta padrão, com cinco campos abertos em que os adjetivos podiam variar. Para cada campo, um adjetivo, entre os quatro possíveis, era selecionado, e assim a carta estaria pronta em 30 segundos, com uma apreciável economia do tempo de trabalho da secretária. Cada chefe de departamento universitário recebia, previamente, uma correspondência fechada com uma espécie de glossário, em que o verdadeiro significado de cada adjetivo, pretensamente elogioso, era explicitado. Assim, um “temperamento inquieto” que parecia tão adequado a um cientista queria mesmo descrever um egocêntrico com problemas de concentração, que não ouvia ninguém, ou o “extraordinariamente organizado” para identificar um portador de TOC incontrolável, ou “extremamente sensível” para reportar alguém que chorava durante o relato de casos graves, ou ainda “uma personalidade voraz” que daria a entender que se tratava de uma mente aberta e fascinada pelo novo, mas queria apenas avisar que ele “roubava comida da bandeja dos pacientes”. O certo é que, por generosidade ou acanhamento, temos dificuldade de emitir opinião negativa sobre o desempenho dos outros e sempre escolhemos elogiar.
A maturidade nos torna cada vez mais intolerantes a duas condições: o discurso sem emoção e o elogio bajulado. O que surpreende é o número de pessoas que deviam, pela alta rodagem, ter esses conceitos estabelecidos, mas não resistem à tentação da demagogia. Isso explica, em grande medida, a náusea dos encontros com políticos profissionais. Melhor encontrá-los só na TV, mesmo com aquela cara apalermada de quem não entende que não é a câmera que deve procurar o olhar do candidato. Jamais votar em quem escorrega o olhar bem podia ser o começo da nossa redenção. Se já soubéssemos disso, o Aécio não teria conseguido 51.041.155 de votos.