Era um dia muito frio de agosto, quando o Herculano internou, vindo da Fronteira, emagrecido, escarrando sangue, com um grande tumor no pulmão e uma longa história de fumo, que ele considerava irrelevante porque nunca fumara “cigarro feito” – o que, no imaginário dele, o inocentava de culpa por essa coisa que, segundo o seu médico, estava plantada no seu peito, pontuda como uma acusação. Era um homem do pampa, onde nasceu e viveu como um solitário, apaixonado pelas lides campeiras, atrás das quais percorreu o Estado e, com frequência, cruzou a fronteira em busca de trabalho algumas vezes, mas muitas mais à cata das emoções contagiantes das provas gaudérias em que cotejavam morfologia, função, destreza, coragem e força do conjunto potro/ginete, como se fossem um monobloco de habilidade, beleza e harmonia. O jeito de acariciar o pescoço do pingo ao final de cada prova revelava uma cumplicidade que em muito superava a relação rotineira entre animais de quaisquer espécies.
Palavra de médico
Morrer no inverno
Um dia, Herculano me confessou que achava que estava morrendo porque, mesmo criado no rigor do pampa, nunca sentira tanto frio
J. J. Camargo