Como é elementar em qualquer processo judicial, a atribuição de dolo a um indivíduo tem que estar ligada inquestionavelmente a um objeto, definido como o instrumento causal, ou, na linguagem popular, a arma do crime.
No caso da recente destituição da ex-presidente, os termos "emissão de créditos e pedaladas fiscais" soaram tão abstratos para o entendimento do cidadão comum, que só serviram para ampliar a sensação de ignorância do povo ao tentar acompanhar os debates dos arautos da lei, defendendo suas crenças com tanto vigor, que sempre davam a impressão de estarem certos. E estariam, se a argumentação contrária subsequente, igualmente empolgada e vibrante, não devolvesse o mesmo sentimento.
Mesmo as pessoas razoavelmente informadas, mas distanciadas do linguajar do Direito formal, resultaram exaustas do esforço de buscar compreensão e acabaram desistindo, com variados graus de resignação.
Passadas poucas semanas, mais descansados daquela torrente de informações agressivas e contraditórias, e que ocupou a mídia diuturnamente durante um semestre, os debates recomeçam. Muda o alvo principal e as denúncias, mas acusações agora parecem mais palpáveis, porque, afinal, quando se fala de um apartamento e um sítio, qualquer um pode instantaneamente perceber do que se está tratando. Não são figuras abstratas, só alcançáveis por quem seja letrado no assunto técnico. Pelo contrário, são bens imóveis reais, como as fotos mostram, e lindos, como o povo, nem em delírio, ousaria sonhar.
O discurso de defesa do ex-presidente Lula, em visível desgaste físico e emocional, não precisaria ser tão pungente e dramático se alguém assumisse a propriedade dos imóveis. Com certeza, o processo de lavagem de dinheiro se encerraria se o tal amigo generoso, que inexplicavelmente se mantém calado, se apresentasse para dizer: "Chega de acusações injustas, eu sou o proprietário, aqui estão as escrituras! Acabou!".
Do jeito que está, mesmo o mais crédulo dos seguidores, em algum momento, vai começar a questionar: "Mas, se não é de ninguém, será que a gente não pode usar?".