Não há um dia em que não se ouça alguém comentando o quanto este mundo se tornou um lugar perigoso de viver.
Nesse contexto, era mesmo previsível o comportamento arredio e às vezes francamente agressivo em relação aos desconhecidos, vistos todos como malfeitores potenciais, pelo menos até que o convívio imposto por alguma circunstância forçada demonstre que o tipo, mesmo contrariando as expectativas, é um cara legal. Essa atitude defensiva se tornou progressivamente mais frequente, estabelecendo guetos de amigos confiáveis que alimentam a paranoia em relação ao resto do mundo, protegendo-se mutuamente e desconfiando de todos os que estão fora dos muros.
Apesar do isolacionismo apregoado como estratégia de sobrevivência, ainda há os que seguem acreditando nas pessoas e, completamente desarmados de maldade, estão sempre oferecidos ao bem, mesmo que a falta de escudo os deixe potencialmente fragilizados.
Uma antiga patroa pagou a consulta da Osvaldina, que trazia uma carta de apresentação que guardei porque tinha uma frase original: "Cuide desta mulher que, de tanto lavar roupa, tem a alma mais limpa que conheci". Já gostei dela antes do primeiro sorriso. Sua história era heroica: lavou e passou roupa a vida toda e conseguiu criar quatro filhos homens, mesmo atrapalhada por um marido alcoólatra. Com a blusa levantada, escondeu o rosto, constrangida em exibir um câncer de mama que ulcerou a parede do tórax, uma lesão grotesca que manteve escondida até não suportar mais. Como ela se sentiu repreendida com meu comentário de que podia ter procurado recurso médico mais cedo, simplesmente resumiu: "Aquele caroço não precisava ter aparecido justo na semana em que consegui um emprego, porque com quatro bocas para alimentar eu tinha prioridades".
Ouvi-la falar dos filhos, descritos como prodígios, era comovente, mesmo que, aos meus olhos, eles parecessem desligados daquela supermãe.
Quando o menor deles tinha 17 ou 18 anos, começou a debandada: um serviu na Marinha e assumiu a carreira militar, dois seguiram a fábrica de calçados onde trabalhavam quando ela se mudou para o Ceará, e o mais velho se perdeu para o crack. Dez anos depois, curada do tumor, me procurou no hospital com uma dor nas costas e demorei a reconhecê-la. O sofrimento crônico deixara sulcos que se acentuavam com o esforço de sorrir sem justificativa.
Viúva e com filhos dispersos, estava completamente sozinha. Com a crise, perdera o emprego de camareira num grande hotel, sem o salário estava inadimplente e, dentro de dois meses, provavelmente entregaria a casinha que recebera no Minha Casa, Minha Vida. Mas não queria falar disso agora, porque não queria chorar na frente do doutor que lhe ajudara tanto. Quando lhe perguntei se os filhos estavam sabendo dessa situação, ela disse: "A gente não tem se falado porque o telefone tá muito caro, e também porque não quero atrapalhar a vida de quem está começando e tem filhos pequenos. Vou me aguentando com o seguro-desemprego e sigo batalhando por um trabalho novo. Quem sabe eu consigo e até junto um dinheirinho para conhecer meus netinhos cearenses!".
Não pareceu acreditar quando lhe convidei para almoçar no restaurante do hospital e deixou-me sem apetite ao vê-la devorar o prato do dia com a voracidade de quem pretende liquidar a fome atual e prevenir a do futuro. Poucas coisas mexem comigo tanto quanto o convívio com a fome alheia. Uma hora de conversa e, apesar da infelicidade concentrada, nenhuma queixa, só elogios aos filhos encantadores que lhe tinham dado lembranças tão maravilhosas que, por elas, repetiria tudo outra vez. Os erros que cometemos por amar demais.