A Procuradoria-Geral da República assinou mais uma confissão de parceria plena com o STF no “enfrentamento” da legalidade no Brasil. A doutrina que vigora atualmente nesses santuários máximos do sistema de justiça é, na verdade, uma neurose: a ordem jurídica do país, na visão dos magistrados que habitam tais alturas, prejudica diretamente a democracia e tem de ser enfrentada com o máximo de dureza.
O principal profeta deste tipo de raciocínio é o primeiro-ministro do STF, Alexandre de Moraes. Agora, num episódio de superação em matéria de desordem legal, a PGR se junta a ele na suprema articulação destinada a impedir que as leis sejam “usadas por forças antidemocráticas”. É uma extravagância que tem tudo para entrar no almanaque dos piores momentos da Justiça brasileira em toda a sua história.
O máximo que pode ter havido é um insulto verbal a Moraes, e esse tipo de coisa depende sempre de testemunho dos envolvidos — no qual, obviamente, um sempre diz o contrário do outro
A PGR, para espanto até da Ordem dos Advogados do Brasil, apresentou denúncia criminal contra três cidadãos que tiveram um bate-boca com Moraes no aeroporto de Roma, um ano atrás. Tudo não passou de uma miserável rixa de sala VIP — mas eis aí o marechal-de-campo do Ministério Público do Brasil, ninguém menos do que ele em pessoa, descendo ao nível da briguinha para acusar uma das partes de crime de lesa-pátria. Após mais de um ano de investigação frenética, inútil e paga com o seu dinheiro por parte da Polícia Federal, não se descobriu um átomo de prova contra os acusados.
O máximo que pode ter havido é um insulto verbal a Moraes, e esse tipo de coisa depende sempre de testemunho dos envolvidos — no qual, obviamente, um sempre diz o contrário do outro. Na pior das hipóteses, isso seria um crime de injúria, punido no Artigo 140 do Código Penal com detenção, ou nem isso — multa, apenas. Como pode, então, a instância máxima do MP vir se meter numa mixaria dessas?
A própria PF chegou à conclusão de que ninguém deveria ser denunciado por nada. Mas o delegado de polícia foi tirado do caso e o PGR fez afinal a denúncia do que a PF tinha chamado de “aparente agressão” — tipo penal que não existe. Mesmo aceitando que a denúncia fosse feita, o caso deveria correr na Justiça de primeiro grau, e não na instância suprema do Poder Judiciário nacional.
O STF e a PGR afundam-se cada vez mais no negacionismo jurídico. Negam que a lei obrigue a se fazer o que está escrito nela — em vez disso, dão a si próprios autorização para violar abertamente o sistema legal vigente no Brasil, com o pretexto de que são os únicos capazes de manter a democracia e combater seus inimigos. Lei, no Brasil, é algo claramente suspeito para o Alto Judiciário.