De todas as taras políticas que conduzem a política brasileira de hoje, uma das mais neuróticas é a guerra de Lula, do PT e da esquerda contra a anistia. Historicamente, e em condições mais ou menos normais do ponto de vista mental, as pessoas e organizações só se mobilizam em favor de anistias. No Brasil de Lula é o exato contrário — eles conseguiram montar uma cruzada colérica contra a anistia. Negam a possibilidade de qualquer tipo de concórdia. Não abrem mão da vingança — e chamam isso de “defesa da democracia”.
Afirmar, numa sentença da mais alta Corte de Justiça do Brasil, que estilingues e bolas de gude são armas usadas para dar um “gole de Estado” é ou não é uma vergonha?
A anistia em discussão na Câmara dos Deputados, na verdade, nem é uma anistia no sentido correto dessa palavra. Anistia é perdão para crimes que foram cometidos, e, na baderna do 8 de janeiro, os baderneiros não cometeram o crime de golpe de Estado que lhes é imputado. No caso, o que está sendo solicitado é um perdão para quem não pecou. É a correção de um absurdo judicial. No fundo, é a maneira mais eficaz e mais discreta de consertar o erro do Supremo nesses processos que ficarão para sempre como uma vergonha para a Justiça brasileira.
Afirmar, numa sentença da mais alta Corte de Justiça do Brasil, que estilingues e bolas de gude são armas usadas para dar um “gole de Estado” é ou não é uma vergonha? Foi o que fez o ministro Alexandre de Moraes em sua última bateria de condenações. E que tal dizer, como fez o mesmo ministro, que um tubo de batom é uma arma que contém “substância inflamável”? É ou não é uma vergonha condenar a até 17 anos de prisão uma multidão de motoboys, barbeiros, encanadores, vendedores ambulantes ou manicures — como se fosse possível, materialmente, essa gente derrotar o Exército brasileiro e derrubar o “governo democrático” de Lula.
A anistia serviria para conduzir ao esquecimento essa coleção de decisões doentes. Também serviria para anistiar os próprios ministros que tiveram a responsabilidade por elas. Mas não — querem transformar atos juridicamente monstruosos num poema da “democracia”. Não há, entre as vítimas do STF, nenhuma pessoa, mas nenhuma mesmo, que tenha dinheiro, influência ou posição social. Ninguém ali é de qualquer tipo de elite.
São todos simples, humildes, sem relações com gente importante, sem advogados caros. São eles, justamente, os inimigos mais odiados por Lula, pelo PT e pela esquerda. Podem conversar até com Jair Bolsonaro. Mas não aceitam, de jeito nenhum, desfazer a injustiça que está sendo cometida contra o cidadão comum. Esse cidadão que arrasou a esquerda na última eleição é hoje a grande assombração para Lula e o seu consórcio.