Encerrou-se finalmente em Lisboa a última “edição”, como se diz hoje, do mais espetacular festival de celebração ao conflito de interesses judiciais que existe atualmente no mundo. É uma coisa tão extraordinária que conseguiu ganhar a sua própria grife – “Gilmarpalooza”, contração de Gilmar Mendes e Lollapalooza, ou seja, de uma das estrelas do nosso STF e da grande quermesse mundial da música pop.
Não há nada de parecido no resto do planeta: uma conferência de cúpula entre juízes da Suprema Corte brasileira, gatos gordos do poder público nacional e empresários com causas a serem julgadas no mesmo tribunal habitado por esses juízes. É uma romaria sagrada de magnatas em busca da cura de seus problemas – e quem achar que não é fica automaticamente sujeito a ser denunciado como agente da extrema direita, golpista e inimigo da democracia. O Gilmarpalooza deste ano também custou caro ao pagador de impostos – pelo menos R$ 1,3 milhão, gastos na viagem e estadia de gente mais ou menos graúda do governo Lula que foi a Lisboa. A campeã dessa tremenda boca-livre foi a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco – além dela própria, levou quatro assessoras.
Não é só o agressivo desperdício de dinheiro público. É incompreensível que o festival de Gilmar tenha de ser feito em Lisboa
Não há uma única coisa certa no Gilmarpalooza. Não é só o agressivo desperdício de dinheiro público. É incompreensível, sobretudo, que o festival do ministro Gilmar tenha de ser feito em Lisboa. Todas as questões do seminário são brasileiras. Todos os que assistem são brasileiros. Todos os palestrantes são brasileiros. Por que não num hotel de Brasília? Pelo menos não se gastaria aí o dinheiro das passagens em classe executiva (ou mais) e em hotéis de luxo para o cardume oficial em Lisboa.
A parte mais tenebrosa dessa história, naturalmente, é juntar juízes e potenciais beneficiários de suas sentenças num óbvio evento de confraternização. No caso do último Gilmarpalooza, havia pelos menos 12 empresários – há listas que apontam 15 – com processos pendentes no STF, inclusive por crimes de corrupção processados na Lava-Jato. Se isso não é conflito de interesses em primeiro grau, então o que seria?
A revista portuguesa Sábado fez uma pergunta resumo sobre essa história. “Que diria de um juiz que andasse em almoços, jantares e eventos de charme com empresários que têm processos pendentes junto deste mesmo juiz?”, indagou ali o jornalista João Paulo Batalha. “Diria que estava a violar o seu mais elementar dever de reserva e recato, expondo-se a um conflito de interesses que põe em causa o seu julgamento”. Batalha, na verdade, falou mais do que isso. Mas assim já está bom, não é?