A filósofa Hannah Arendt, de origem judaico-alemã, eternizou o drama do Holocausto no livro em que cunhou a expressão Banalidade do Mal. Ela escreveu a obra após assistir ao julgamento de Adolf Eichmann, burocrata nazista que despachava os trens cheios de judeus para fornos crematórios em campos de concentração.
Eichmann fora capturado na Argentina, onde se escondeu após a Segunda Guerra Mundial, por espiões judeus, que o sequestraram e levaram para julgamento em Israel. Em sua defesa, o nazista se declarou inocente e disse que apenas cumpria ordens, seguindo as leis vigentes na Alemanha. Obedecia ao governo e as leis do Estado. Simples assim. Não convenceu. Acabou condenado e enforcado.
Mas Hannah sintetizou em seu livro aquilo que considera o espírito de uma época, do nazismo: o mal que Eichmann e seus asseclas praticavam não era diabólico, mas uma maldade constante, parte da rotina dos oficiais, encarada como instrumento de trabalho. Ou seja, banal.
Muito diferente dessa rotina dos massacres nazistas é o que aconteceu em Blumenau na manhã desta quarta-feira (5), quando quatro crianças foram mortas a machadadas numa escola infantil. Outras foram feridas pelo assassino, um rapaz de 25 anos, cuja motivação ainda não foi revelada pelas autoridades.
Pouco importa, nesse texto, a motivação do matador. A questão é que o Brasil parece ter começado a reproduzir, de uns tempos para cá, o hediondo padrão de chacinas em escolas, tão comum em países como os Estados Unidos.
Tive o desprazer de cobrir um episódio sangrento desses, em 2011. Fui enviado por GZH para o Rio de Janeiro, onde um ex-aluno invadiu uma escola e matou 12 estudantes, ferindo outros 22. Ele acabou morto pela Polícia Militar. Antes do massacre, deixou anotações nas quais se dizia inspirado em grupos fundamentalistas islâmicos e justificava os assassinatos dizendo que sofrera bulliyng no colégio.
Resposta ao bullying, aliás, é um dos mais fortes impulsionadores de massacres em escolas, nos ensina a história. A começar por Columbine, nos Estados Unidos, talvez o mais célebre desses episódios. Em termos de Brasil, tivemos recentemente outro massacre semelhante ao de Blumenau. Foi numa creche em Saudades, também em Santa Catarina, em 2021. Três crianças, uma professora e uma funcionária morreram no ataque, perpetrado por um jovem de 18 anos, natural da cidade. Ao ser preso, o assassino declarou ter premeditado o crime durante 10 meses. Psiquiatras constataram que o rapaz sofre de esquizofrenia e desencadeou paranoias que levaram a um ódio crescente e isolamento social.
E antes de Saudades tivemos outro caso célebre, em Suzano, em São Paulo. Dois atiradores — ex-alunos da escola — mataram cinco estudantes e duas funcionárias. Antes do ataque, num comércio próximo à instituição de ensino, a dupla também matou o tio de um dos assassinos. Após o massacre, um dos autores matou o comparsa e em seguida cometeu suicídio. Foi a nona vez que esse tipo de crime ocorreu em escolas brasileiras. Os dois matadores alegavam ter sofrido bulliyng no ambiente escolar.
A mim parece que esses massacres escolares são a antítese da banalidade do mal descrita por Hannah Arendt. É como se o mal absoluto, estilo demoníaco, tenha se apossado de seres outrora humanos. Um fenômeno preocupante, dilacerante e que precisa ser melhor estudado, para nossa própria proteção.
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Esclarecimento sobre a cobertura
GZH (ZH/DG/Rádio Gaúcha/Pioneiro) decidiu não publicar o nome, foto e detalhes pessoais do assassino de Blumenau. As pesquisas mais recentes sobre massacres deste tipo mostram que a visibilidade pública obtida pela cobertura da mídia pode funcionar como um troféu pelos autores, e estimular outros a cometer atos similares. A linha editorial dos veículos da RBS em outros casos recentes já vinha sendo a de não retratar estes criminosos em detalhes, noticiando apenas o nome e informações resumidas sobre eles. Ao restringir ainda mais esta exposição, medida também tomada por outros veículos de jornalismo profissional, buscamos colaborar para que os assassinos não inspirem novos atos de violência extrema como o desta quarta-feira (5).