Os quartéis estão em silêncio neste 31 de março. "Será um dia normal", resume um general com quem conversei. Não é o usual. Desde 1964, na maioria dos anos, os militares celebraram a data como o marco do "contragolpe" que impediu que o Brasil virasse um país comunista. Na ocasião, o então presidente João Goulart foi derrubado pelas Forças Armadas, com apoio de empresários, parte da mídia e de políticos de direita.
Ao assumir o governo, as Forças Armadas destronaram todos os que ocupavam cargos de confiança no governo deposto. A seguir, cassaram os direitos políticos de milhares de pessoas. Entre os primeiros da lista estavam o próprio Goulart, seu cunhado Leonel Brizola, o comunista Luís Carlos Prestes... entre os que partiram para o exílio estavam Fernando Henrique Cardoso e José Serra, para ficar em dois exemplos.
Militares que apoiavam Goulart foram também expurgados, alguns presos e torturados. As eleições presidenciais previstas para 1966 foram canceladas e só voltariam a acontecer em 1989. A ditadura, de fato, durou 21 anos, mas o país ficou 29 anos sem eleger presidente.
De fato, existiram no país guerrilhas que pregavam um regime aos moldes de Cuba ou da China maoísta. Mas eram bastante minoritárias, se comparadas com os movimentos políticos de esquerda democrática. Os militares não fizeram distinção. E comemorar o 31 de março virou rotina nos quartéis. Isso era feito mediante leitura da Ordem do Dia, documento que lista fatos importantes. Em 1995, a celebração do 31 de março foi cancelada, por ordem então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um ex-exilado que até hoje é criticado por militares.
Em 2004, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os elogios ao golpe (ou contragolpe, como preferem os militares) foram retomados nos quartéis, na Ordem do Dia. Dilma Rousseff (PT), ex-presa política, assumiu em 2011 e determinou que não fosse feita mais leitura comemorativa da derrubada de João Goulart. Não foram feitas celebrações públicas da data, também, no governo do sucessor dela, Michel Temer (MDB).
Jair Bolsonaro (PL) assumiu o governo em 2019 e, nos seus quatro anos de governo, as Forças Armadas tiveram Ordem do Dia com louvações ao 31 de março como pedra angular na luta contra o comunismo.
Bolsonaro foi derrotado na tentativa de se reeleger, Lula voltou ao poder e o seu ministro da Defesa, o político José Múcio Monteiro, determinou que não seja comemorado o golpe de 1964. As Forças Armadas acataram. Claro que isso não impede celebrações por parte dos Clubes Militares, frequentados por militares da reserva. Normal.
Bolsonaristas dizem que os militares foram censurados. Talvez não seja assim. Muitos compreendem que Lula e Dilma não instauraram o comunismo no Brasil, em seus 14 anos de governo. Não há sinais de que um regime ao estilo venezuelano ou cubano esteja sendo urdido pelos políticos de Brasília. O maoísmo acabou, a União Soviética também. O mundo não é mais como em 1964, resume um militar graduado, para encerrar a conversa.