"SOS, Força Armada, SOS, Força Armada!", gritam os manifestantes, aglomerados nos fundos do Quartel-General do Comando Militar do Sul (CMS), sede do comando do Exército nos três Estados sulistas. São 13 horas de 15 de novembro, sol a pino e a multidão em verde-amarelo bloqueia dois trechos de ruas próximos à concentração de quartéis estaduais e federais daquela região do centro de Porto Alegre. Pedem que os militares impeçam a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O fato é que as manifestações do Dia da República, em todo o Brasil, foram apropriadas pelos admiradores do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado na sua tentativa de se reeleger. Passadas mais de duas semanas, bolsonaristas continuam acampados junto aos quartéis, em todo o Brasil, pedindo intervenção federal. Não usam a palavra golpe - talvez por temor de punição da lei, já que a Constituição veta a derrubada dos governantes ou o impedimento dos eleitos assumirem.
Os soldados permanecem nos quartéis, sem dirigir palavra aos manifestantes. Não que isso importe muito para quem se concentra debaixo de um calorão, no coração da cidade, implorando pela volta do regime militar. Virou programa de família. Vô, vó, filhos e netos, muitos deles vindos do Interior, estacionam carros e caminhonetes no entorno dos quartéis e descem com cadeiras de praia, coolers recheados de cerveja e refrigerante, sanduíches improvisados. Sentam junto às escassas sombras ou sob o sol mesmo, armando piqueniques em plena Rua Sete de Setembro, bloqueada pelos manifestantes. Faixas estendidas em frente aos portões das garagens do CMS (inclusive bloqueando a passagem de veículos) sentenciam, em inglês destinado a alguma eventual aparição na mídia internacional: "Brazil election was stolen" ("a eleição brasileira foi roubada").
Muitos são militares reformados, saudosos de um tempo em que seus colegas encabeçavam governos. Outros apenas admiram a caserna e gostam de tons marciais. Bater um papo com eles é uma aula de sociologia. Pensam que brasileiro não sabe votar e só um regime forte pode impedir a volta da corrupção. O nome do presidente eleito é acompanhado de palavrões impublicáveis. Alguns admitem que não gostam de Bolsonaro, mas o acham um mal menor do que Lula.
Os ambulantes fazem a festa abastecendo os que não trouxeram lanche de casa. Churrasquinho, sanduíche "natural", cachorro-quente, isopor com cerveja, balas...e, claro, muitas bandeiras do Brasil. Caso um marciano descesse em Porto Alegre (ou qualquer grande cidade brasileira) pensaria que a multidão se prepara para a Copa do Mundo, que começa em cinco dias.
Headfones nos ouvidos, os "patriotas" debatem acaloradamente as mais recentes fofocas do zap (WhatsApp) e do Telegram.
- Vocês viram a última do Xandão (Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral)? Elogiou o Temer, disse que ele deveria ter ficado mais anos no poder. Ladrão elogiando ladrão - diz um rapaz com chapéu de vaqueiro e camiseta verde-amarela. Os colegas demonstram curiosidade, mas ele não sabe detalhes.
Uma mulher idosa, munida de bandeira do Brasil, desabafa, sem saber que conversa com um jornalista.
- Eu tô perdendo a esperança, sabe...acho que não vão fazer nada, esses militares. O barbudo vai tomar posse, mesmo. Me recuso a acreditar, mas é isso. Ouvi dizer que vão tirar os acampados logo, assim que terminar o feriado.
Logo surge um jovem, que aconselha a "vovó" a não desanimar.
- As Forças Armadas vão agir. Sei de fonte segura, amigos nos quartéis. É questão de tempo.
E lá se vai o rapaz, rumo ao carro de som que entoa canções solenes, em altíssimo volume. Ao lado do caminhão, fica em posição rígida, escutando a Canção do Soldado (Hino do Exército). Que logo cede a vez ao Hino Nacional, seguido do Hino da Independência, do Hino da Bandeira, em looping. Para deleite dos bolsonaristas e incredulidade de muita gente que caminha até a Feira do Livro, em busca apenas de um passeio tranquilo, vivenciado em outros anos.