Cristina Kirchner, a vice-presidente argentina, é de esquerda. Jair Bolsonaro, presidente brasileiro e candidato à reeleição, é de direita. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente brasileiro e candidato a retornar ao cargo, é de esquerda. À parte as ideologias, todos eles têm uma característica em comum: adoram se misturar ao povo, naquilo que se convencionou chamar “populismo” e que causa dor de cabeça a seus seguranças.
O hábito de mergulhar na multidão já custou caro a Bolsonaro. Em 2018, na campanha eleitoral, foi alvo de uma facada, que não o matou por pouco. Parece ter mudado pouco seus procedimentos. Na Expointer, na última sexta-feira (2), caminhou em meio aos frequentadores, apertou mãos, foi cercado por populares. Lula também tem costume de se render a abraços, muitas vezes de desconhecidos. Tudo desaconselhado pela segurança, mas quem diz que, no fervor da campanha política, eles ouvem conselhos?
Pois é bom que reflitam sobre o que aconteceu com Cristina Kirchner. Um brasileiro radicado há muitos anos na Argentina conseguiu chegar a centímetros dela, apontou uma pistola e apertou o gatilho três vezes... mas a arma falhou. Há quem diga que tudo foi armação. Outros gritam com fervor contra a oposição.
À parte debates políticos, a realidade é que Cristina teve mais sorte do que juízo, talvez porque na América Latina o populismo seja mais atávico do que o terrorismo, como bem ressalta minha mulher...A segurança dela falhou miseravelmente, como ressaltaram alguns órgãos de imprensa, incluindo o prestigiado Clarín. Alguns erros primários detectados:
1 – anéis de proteção não estavam montados. Perímetros que delimitam quem pode chegar perto do chefe de Estado. Eles devem filtrar pessoas indesejadas, e isso não foi feito.
2 – o pessoal da Polícia Federal próximo à vice-presidente argentina estava olhando para ela e não para os populares que a cercavam. Não viram a aproximação do agressor.
3 – ninguém saltou sobre Cristina para protegê-la quando a pistola foi apontada para ela. Agentes com coletes à prova de bala poderiam ter feito isso, mas não o fizeram, talvez por não terem visto o agressor se aproximando.
4 – a vice-presidente argentina não é colocada num carro para fugir, no momento do atentado. Ao contrário: de forma temerária, quase inacreditável, ela continua caminhando pela rua em meio aos transeuntes. Percorre 50 metros, com seguranças ao seu lado. “Fosse um complô com mais de um terrorista, o segundo homem a teria liquidado”, comenta um policial federal que estuda questões de terrorismo, ouvido por este colunista.
5 – não há câmeras de segurança na esquina do prédio onde vive Cristina Kirchner. A própria vice-presidente disse ser contra os aparelhos, por temer que servissem para “espioná-la”. Agora os investigadores não podem verificar os últimos passos do terrorista antes de atacá-la.
Tudo indica que, para a sorte da vice-presidente argentina, o homem era o que os manuais de antiterrorismo convencionaram chamar de “lobo solitário”. Um sujeito movido a paixão, mas sem esquema de apoio por trás, ao que apontam as primeiras investigações. Amigos e familiares falam que ele sempre arranjou encrenca e que tem problemas emocionais. Pistas indicam que é um extremista que flerta com o neonazismo. Foi preso no ato. Poderia ter ocorrido o contrário. E a Argentina estaria agora, possivelmente, em clima de guerra civil. É bom que sirva de aprendizado para as autoridades brasileiras.