O mundo ocidental celebra a contraofensiva ucraniana que, desde o último fim de semana, recuperou uma área de território maior do que a ocupada pelas cidades de Los Angeles e Nova York combinadas. Mais de 20 vilarejos na região leste da Ucrânia voltaram ao controle do governo, na sua maior reação à invasão russa desde o início desta guerra, há quase sete meses.
Vários pontos podem ser destacados nesta demonstração de força da Ucrânia. Um deles, tecnológico, é o uso dos Sistemas de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade (Himars) cedidos pelos Estados Unidos. São projéteis de longo alcance que permitiram aos ucranianos atingir depósitos de munição e posições de comando dos russos situados longe do front.
Outro fator é que, ao contrário do que o neoczar russo Vladimir Putin fazia crer no início do conflito, seu quase homônimo ucraniano, Volodimir Zelensky, não é um palhaço, apesar de ser comediante. Conseguiu transformar o nacionalismo ucraniano em reação armada à ocupação russa.
Não raro, se arriscando na linha de frente, como fez na quarta-feira (13) ao visitar Izyum, uma das pequenas cidades liberadas no fim de semana (e ainda alvo da artilharia russa). Líderes que vão ao front ganham respeito dos comandados, ao contrário dos que apenas impõem medo.
Um terceiro fator é que as tropas ucranianas são maciçamente compostas de voluntários (embora alguns só se alistem à força). Já os russos trabalham com grandes contingentes de conscritos (recrutas obrigados a servir às Forças Armadas) e de militares profissionais de repúblicas que integram a Federação Russa (como a Chechênia). Mercenários e tropas internacionais, os dois lados têm.
Mas é necessário pontuar a euforia ucraniana com doses de realismo, apesar da vitória psicológica. O avanço da Ucrânia necessita ser complementado pela tomada de grandes cidades, algo que ainda não aconteceu. A recuperação de território se deu em pequenas localidades. No leste, as principais metrópoles de Donetsk e Lugansk continuam sob controle russo ou de seus apoiadores. No sul, a Rússia permanece governando a Crimeia, ocupada desde 2014 (apesar de fustigada pelos ucranianos) e cidades importantes, como Kherson, Melitopol e o estratégico porto de Mariupol.
Ou seja, cerca de um quinto da Ucrânia original continua sob controle russo, incluindo grandes portos. Territorialmente, o cenário pouco mudou desde que escrevi, em 15 de agosto, a coluna Como os russos estão ganhando a guerra. A Rússia ainda ameaça cortar em definitivo o fornecimento de gás aos europeus que continuarem ajudando a reabastecer os arsenais ucranianos. Caso o Ocidente diminua o fornecimento de armas, é razoável supor que a contraofensiva ucraniana será interrompida. Numa guerra ainda longe de acabar - a menos que, em Moscou, Putin venha a ser emparedado politicamente e obrigado a recuar.