Um mês após o início da invasão russa à Ucrânia, a lógica perversa do maior contra o menor começa a se impor. Por meio de bombardeio de civis, ataques a pontos estratégicos e cortes no abastecimento de energia e víveres, os russos começam a minar o esforço de sobrevivência ucraniano.
A guerra não foi o passeio que parecia, no início. Os russos patinaram na lama e nas táticas.
Colunas de blindados foram dizimadas por drones e lança-mísseis habilidosamente usados pelos ucranianos. Jatos e helicópteros da Rússia foram derrubados ou destruídos em solo. Recrutas russos, obrigados a ir ao front, padeciam com comida velha e ataques-surpresa.
O jornal russo Komsomolskaya Pravda, bastante alinhado às posições de Vladimir Putin, postou no site em 22 de março que 9.861 russos morreram na Ucrânia e 16.153 militares da Rússia ficaram feridos. A publicação foi retirada depois, talvez por censura, talvez autocensura para evitar represálias.
Só que as Forças Armadas russas têm 900 mil integrantes, contra 200 mil das ucranianas. De forma coerente, a tática de amassamento dos russos começa a se impor. Confira:
Bombardeios de cidades – os russos bombardearam as 10 principais cidades ucranianas, com uso aleatório de artilharia. Algumas foram reduzidas a ruínas, como Mariupol, no sul (onde apenas o porto foi poupado, com vistas a futuro uso por parte da frota russa) e Kharkiv (no norte). Não por acaso, são dois locais onde os cidadãos de origem russa reclamam de terem sido hostilizados pelo governo ucraniano. A Rússia adota ali estratégia aos moldes da usada na Chechênia. A capital, Kiev, sofre ataques seletivos, para aterrorizar.
Cortes de energia – os bombardeios são seguidos de cortes de energia. Duas centrais nucleares, das quais a Ucrânia é dependente, foram tomadas pelos russos. Sem aquecimento em pleno inverno e sem internet, muitos ucranianos voltam à idade da pedra, fazendo fogueiras em plena rua para cozinhar.
Destruição de bases estratégicas – ataques com mísseis (inclusive os hipersônicos, que voam a seis vezes a velocidade do som) devastaram duas bases estratégicas ucranianas. Uma delas em Yavoriv, na fronteira com a Polônia, onde pelo menos 35 militares da Legião Estrangeira que apoia os ucranianos foram mortos (os russos falam em mais de 150). O outro ataque foi a uma base naval em Mykolaiv, no sul da Ucrânia, que deixou mais de 50 marinheiros mortos.
Tática de isolamento – os russos começam a isolar as metrópoles ucranianas uma das outras, até porque o espaço aéreo do país está controlado por eles. Mariupol está sem comunicação com outras cidades ucranianas, por exemplo. Kiev está cercada por tropas russas e sofre bombardeios (talvez a infantaria não tenha entrado lá pelo alto custo político do massacre). Odessa, o último grande porto mantido pelos ucranianos, já começou a ser bombardeado. O abastecimento de armas para a Ucrânia começa a ficar difícil, embora a fronteira com a Polônia permaneça aberta.
Todo esse cenário mostra, segundo especialistas consultados por este colunista, que é muito provável que a Ucrânia fique sem acesso ao mar e sem os territórios reivindicados pelos russos étnicos que vivem ali. Dificilmente a fábula bíblica de David vencendo Golias se repetirá nesta guerra.