O cidadão, via de regra, gosta de ver bandido morto. Milhões devem ter vibrado ao ver as poças de sangue no bairro do Jacarezinho, no Rio, após a incursão da Polícia Civil que resultou em 25 mortes – uma delas, de um policial civil baleado na cabeça por traficantes. Compreensível. Ninguém, em sã consciência, gosta de criminoso, salvo eles mesmos e suas mães.
Só que a ação policial de quinta (6) deixou várias questões pendentes. A principal delas: os 25 eram criminosos? Que alguns eram traficantes, nenhuma dúvida, foram filmados invadindo casas de moradores, na fuga. Inclusive, entre os mortos, há foragidos da Justiça. Mas todos? Há relatos sobre mulheres mortas no quarto, junto aos maridos. E não vale dizer que familiar de bandido, bandido é... Não, senhor. Nem na Justiça dos homens, nem na divina, nem nos códigos do submundo, justifica-se matar parente de alguém como vingança.
É possível que uma operação legítima de captura de uma quadrilha especializada em aliciar menores de idade para o tráfico, com mortes eventuais, tenha virado uma ação descontrolada e sanguinária. Isso após os policiais testemunharem a morte do seu colega. Só a investigação mostrará o que realmente aconteceu.
As mortes no Jacarezinho me lembram outro episódio sangrento vivenciado no Rio, a chacina de Vigário Geral, em setembro de 1993. Estive lá, enviado pelo jornal Zero Hora com o fotógrafo Ronaldo Bernardi. Chegamos com os corpos ainda sendo recolhidos, horas depois da matança. Foram 21 moradores exterminados por mascarados. Vários foram surpreendidos na cama. Um morreu no banheiro. Crianças foram mortas. Nenhum tinha antecedentes criminais. Repito, nenhum.
A história por trás da chacina começa um dia antes dela, quando quatro PMs foram mortos por traficantes de Vigário Geral, em frente a uma multidão. Os mascarados apareceram na madrugada seguinte, numa evidente vingança pela morte dos policiais. Não encontraram os bandidos, que tinham fugido. Sobrou revide para os moradores, muitos dos quais assistiam ao jogo Brasil X Bolívia pela TV. Ronaldo e eu entrevistamos os traficantes, dias depois.
A investigação da Polícia Civil apontou 52 PMs, colegas dos quatro mortos, como autores da chacina de moradores. Desses, sete foram condenados e cumpriram pena. Um deles foi morto há poucos dias, em 2021.
A grande diferença entre os dois episódios é que em Vigário Geral os matadores agiram mascarados, sem mandado judicial e só exterminaram pessoas sem antecedentes. No Jacarezinho, esta semana, a ação policial foi ostensiva, em cumprimento de ordens da Justiça. Agora é ver se todos os mortos eram criminosos que reagiram à prisão, como asseguram os policiais.