A Polícia Federal acaba de topar com um grande esquema de evasão de divisas na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Prendeu em Santana do Livramento, quarta-feira (16), oito doleiros que introduziram R$ 200 milhões em espécie (cash) em bancos uruguaios. A investigação, chamada Operação Cisplatina, começou quando um deles foi preso em flagrante pela Polícia Civil carregando dólares cujo destino era Rivera, cidade uruguaia gêmea de Livramento.
Por ter implicações internacionais, os policiais civis repassaram o caso aos federais, que vigiou os doleiros. A evasão de divisas está comprovada por meio de filmagens, que mostram os doleiros saindo de Livramento com dinheiro vivo e depositando em bancos uruguaios. Tudo sem comunicação ao Banco Central. Assim teriam saído os R$ 200 milhões. Para se ter uma ideia: a Operação Lava-Jato, mais famosa investigação contra a corrupção no Brasil, começou com R$ 90 milhões movimentados pelo doleiro Alberto Youssef entre 2009 e 2013, a maior parte enviados ao Paraguai.
E ainda tem mais números grandiosos. A análise da movimentação bancária do primeiro doleiro preso pela Operação Cisplatina mostrou que, junto com colegas, ele movimentou R$ 5 bilhões em contas bancárias, em seis anos. Se fosse tudo ilegal, superaria o montante recuperado pela Lava-Jato desde 2014: foram R$ 4 bilhões que essa operação, sinônimo de combate à lavagem de dinheiro, devolveu aos cofres públicos até agora. Embora a movimentação detectada por ela seja estratosférica: R$ 38 bilhões.
Nenhum policial com quem falei lembra de ter analisado quantia tão grande no Rio Grande do Sul, os R$ 5 bilhões. Acontece que nem todo esse dinheiro é ilegal. É provável que a maior parte seja de operações corriqueiras de clientes, mescladas a evasões de divisas. O desafio é identificar o que é transgressão.
Com o principal doleiro preso foram apreendidos cartões bancários de clientes e procurações para aplicar dinheiro no Uruguai. Ou seja, provas de que ele movimentava quantias para brasileiros interessados em investir nos bancos do país vizinho. Quem seriam esses clientes? Não necessariamente os titulares dos cartões, pois é comum o uso de “laranjas” (intermediários) para sacar e depositar dinheiro.
O mais provável, diz um experiente policial, é que a clientela misture de tudo um pouco. Gente honesta, desejosa de aplicar dividendos nos sempre confiáveis e discretos bancos uruguaios. Empresários enviando ao Exterior seu caixa 2. Políticos disfarçando ganhos da corrupção (como na Lava-Jato). Bancos, no intuito de escapar da fiscalização do Banco Central. E, por que não, traficantes de drogas e armas.
— Os doleiros não costumam perguntar de onde veio o dinheiro. Ganham 0,5% de comissão para ficarem calados e assumirem riscos. Veja, 0,5% de R$ 5 bilhões é R$ 25 milhões — ressalta o policial, ao lembrar que a parte mais delicada e detalhista virá agora: verificar quem mandou o dinheiro aos doleiros.