Contratos emergenciais em profusão foram assinados pelas autoridades sanitárias de Norte a Sul do Brasil por conta da pandemia de covid-19. Era preciso comprar equipamentos, medicamentos, erguer hospitais e melhorar o atendimento em postos de saúde.
O resultado é que, em meio a toda essa improvisação, surgiram diversos casos de desvios e superfaturamento. Não por acaso, viraram um dos maiores focos de investigações da Polícia Federal (PF) este ano.
Este colunista teve acesso a um levantamento oficial da PF, repassado via Lei de Acesso à Informação, para a newsletter Don’t LAI To Me. Ela é feita pela ONG Fiquem Sabendo, dedicada à busca por acesso e divulgação de documentos oficiais.
A estatística impressiona: desde abril, foram 33 operações focadas em irregularidades ligadas ao combate à covid-19. As ações policiais aconteceram em 15 Estados (RS, PA, RJ, SP, MA, CE, RO, AC, PE, PB, AP, PI, SE, AM e TO) e todas focam em compras oficiais — ou seja, grande parte dos governos estaduais e alguns municipais está sob suspeita de ter cometido crime em algum ato contra a pandemia.
Os contratos sob investigação da PF por suspeitas diversas somam uma quantia nada desprezível: R$ 1,1 bilhão. O Estado mais atingido pelas ações policiais é o Amapá, com seis operações dos federais. Mas não é o que registra os maiores valores investigados.
A maior ação contra desvio de recursos ocorreu em Pernambuco. Foram R$ 81 milhões, sobre os quais pesa a suspeita de superfaturamento na compra de equipamentos de proteção (EPIs) e dispensa irregular de licitação por parte da prefeitura de Recife.
A segunda maior quantia alvo de operações da PF é R$ 73,9 milhões no Pará, para compra de cestas de alimentos para todos os estudantes daquele Estado, como enfrentamento da pandemia.
É no Pará, também, que ocorreu uma fraude com suposta participação de gaúchos: a compra de respiradores pulmonares pelo governo estadual, no valor de R$ 21 milhões. O equipamento era inadequado para pacientes de covid-19. Dois gaúchos, o então secretário estadual da Saúde do Pará, Alberto Beltrame, e seu adjunto, Peter Cassol, são suspeitos de irregularidades no contrato e deixaram os cargos.
A fraude mais comum dentre as investigadas pela PF no tema covid-19, aliás, é a compra de respiradores e ou ventiladores inadequados. Aconteceu no Pará, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas. Nessa contabilidade não está incluído o escândalo da compra de respiradores por parte do governo estadual de Santa Catarina, que foi investigado pela Polícia Civil daquele Estado. Em todos esses casos, os aparelhos não serviam para doentes com coronavírus.
No Rio Grande do Sul, o destaque foi a prisão de 15 pessoas num esquema de desvio de recursos na terceirização da saúde em Rio Pardo. Parte do dinheiro seria usado em leitos de UTIs contra a covid-19.
Em todas as ações aparecem suspeitas referentes à dispensa de licitação, prevista nos casos de emergência em saúde (como é o caso da covid-19). O colunista ouviu policiais federais, e eles concordam em um ponto: governantes pularam etapas decisivas para realizar as compras e, em muitos casos, desviaram dinheiro.
E o que acham os defensores dos acusados? O advogado gaúcho Lúcio de Constantino, que tem entre seus clientes acusados de desvios em contratos para compras de equipamentos anti-covid na Bahia e em Roraima, considera essenciais as investigações da PF envolvendo irregularidades desse tipo, desde que existam reais suspeitas.
— Não há como se descuidar de verificar os delitos dos que covardemente se aproveitam do ambiente de pandemia. No entanto, é preciso muita prudência no exame das suspeitas, pois acontecem algumas medidas judiciais constritivas contra inocentes e suas famílias. E isto é incabível.