Um dos discursos mais caros aos pacifistas e às esquerdas em geral, o de que mais armamento vendido significa mais mortes, tem sido contrariado pelas estatísticas recentes. O número de armas novas registradas pela Polícia Federal no país explodiu ao longo do governo Bolsonaro, como mostrou reportagem de GaúchaZH publicada segunda-feira (27). Triplicou - foram 24,2 mil no primeiro semestre de 2019 e 73,9 mil no mesmo período de 2020, para ficar nos números mais recentes. E como era antes?
Basta uma comparação: primeiro semestre de 2010, ano em que Lula passou o bastão para Dilma, nos governos petistas. Foram vendidas 9,5 mil armas naquele período. Você leu certo: 73 mil no primeiro semestre de 2020 (governo Bolsonaro) e 9 mil no primeiro semestre de 2010 (governo Lula). Óbvio que o salto armamentista reflete o posicionamento de cada presidente.
Os estudiosos que são críticos à venda de arsenais previram que a carnificina no Brasil – um dos países mais violentos do mundo – iria aumentar junto com o maior registro de armas. Isso não aconteceu. O número de homicídios (que é o principal indicador de violência) caiu 20,3% no país em 2019. Já tinha caído 10,4% em 2018.
Nem os defensores do direito de se armar enxergam relação direta entre os dois fenômenos. Afinal, acordos para repartição territorial do crime aconteceram, assim como reforço em equipamento e inteligência policial. O que os pró-armas afirmam é que não se pode mais atribuir à venda legalizada de armamento o aumento nos homicídios.
Ao contrário de colegas mais jovens, cresci numa região plena de armas e as encaro com certa naturalidade. Nem por isso posso me precipitar na análise. É cedo para dizer se a redução de homicídios vai se consolidar. Acredito que, neste ano de pandemia, a queda nos assassinatos vai continuar. E depois?
Pode ocorrer um segundo efeito colateral na venda de armas, negativo: o aumento nos homicídios passionais. Com a arma próxima, fica mais fácil para alguém temperamental resolver uma briga a tiros. Seja ela com vizinho, no trânsito ou dentro de casa. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública feito em 12 Estados aponta que o número de feminicídios (mulheres mortas por homens) cresceu 22% no primeiro semestre de 2020, na pandemia. Ou seja, é preciso cuidado antes de concluir que armas são solução mágica. Mas tampouco é automática a certeza de que a venda legalizada de armamento é responsável pelo altíssimo número de homicídios no país.