Ágatha Félix, oito anos, nem teve tempo de saber mais sobre a guerra que a vitimou. Morreu com um tiro pelas costas no último sábado na Fazendinha, uma das favelas do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Familiares da menina, que estava numa kombi, dizem que ela foi morta por PMs que perseguiam um motoqueiro em fuga. O governo do Estado nega e fala que policiais revidaram agressão praticada por criminosos.
Os PMs tinham motivo para estar ali: três dias antes, um colega deles, o cabo Felipe Brasileiro Pinheiro, foi baleado por traficantes naquela região. Morreu no fim de semana.
Ágatha e Pinheiro foram mortos no ano em que as mortes envolvendo policiais do Rio (a maioria por tiros disparados pela polícia) atingiram o patamar mais alto em duas décadas. Conforme o Instituto de Segurança Pública (ISP), ligado à Vice-Governadoria do RJ, foram 1.249 registros de mortes com tiros disparados por policiais ou envolvendo esses, entre janeiro e agosto. Média de cinco por dia. Crescimento de 16% na comparação com mesmo período do ano passado. Já o número de mortes em geral, 2.717, caiu 21% em relação ao mesmo período de 2018.
O número de tiroteios mortíferos envolvendo policiais no Rio coincide com a retórica de estímulo ao confronto feita pelo governador daquele Estado, Wilson Witzel. Desde quando ainda era candidato ao cargo, ele defende que criminosos armados devam ser abatidos por snipers (atiradores de precisão). Coerente com o discurso, o governador vibrou com a morte de um sequestrador morto por um franco-atirador da PM, em agosto, e condecorou os policiais envolvidos.
Até aí Witzel está em sintonia com grande parte da população. Mas, e os inocentes mortos nesse caminho de confronto, como Ágatha? A política de "atirar sem pensar muito" lembra outro período vivenciado pelo Rio. Entre 1995 e 1998, o governador Marcello Alencar (PSDB) e seu secretário de Segurança Pública, o general da reserva Nilton Cerqueira Junior, instituíram o decreto estadual 21.753/1995, que estabeleceu a "gratificação faroeste". Ele concedia bônus que variavam de 50% a 150% do salário a servidores da segurança pública que demonstrassem "alto preparo profissional ao agirem com destemida coragem para alcançar o sucesso das missões".
O resultado foi um crescimento no número de mortes praticadas por policiais. Conforme estatísticas, quando a gratificação foi lançada, em 1995, nos confrontos envolvendo agentes da lei era registrada média de dois mortos para cada ferido. Dois anos depois, a proporção havia passado a quatro mortos para cada ferido. A gratificação faroeste foi extinta em 2000. Os governos que vieram depois preferiram outros tipos de bonificações: para PMs que atuam em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), para policiais que se qualificarem e para membros do Batalhão de Choque, do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais). O número de mortes diminuiu.