Os militares brasileiros partilham da desconfiança de Jair Bolsonaro de que as críticas europeias às queimadas na Amazônia incluem muito cinismo e trazem embutidos interesses econômicos variados. Entre os mais adeptos de teorias da conspiração, as suspeitas são de que os europeus estariam interessados na internacionalização da floresta. Entre os pragmáticos, a desconfiança é de que a questão seja mais imediatista: o bombardeio verbal contra os descuidos do Brasil em relação ao ambiente serve é para baixar o preço das commodities agrícolas brasileiras (como o soja), dando uma força aos agricultores europeus.
Feita a ressalva, a diferença entre Bolsonaro e os militares é que esses últimos estão muito preocupados com a intensidade da crise diplomática Brasil-França, porque ela vai se refletir diretamente na operacionalidade das Forças Armadas brasileiras. Em conversa com um militar graduado, no sábado (24), ele lembrou que as maiores parcerias dos militares brasileiros são com os franceses e a guerra verbal em nada ajuda.
Vamos aos números: o Brasil tem 715 aeronaves (muitas delas velhas e pouco operacionais, é verdade). Dessas, 190 são de fabricação francesa ou fruto de acordos de transferência de tecnologia França-Brasil. É mais que o total de aeronaves brasileiras de fabricação norte-americana: 179.
Além de serem a maior parceria, as aeronaves francesas são as mais novas, sobretudo os helicópteros. O exército tem 82 helicópteros de origem francesa (que é quase o total de aeronaves disponíveis), a Marinha tem 49 e a FAB tem 59 (entre helicópteros e aviões).
Entre os modernos helicópteros franceses que o Brasil usa estão os Pantera, os Cougar e os Super-Puma, todos vitais para proteção da Amazônia. Aliás, os H-36 Super Puma já começaram a ser usados no último fim de semana justamente para extinção de focos de queimadas - alguns deles estão adaptados para carregar imensas bolsas com líquido anti-fogo.
Na Marinha a dependência é igual ou maior. Desde 2008, Brasil e França possuem um acordo de transferência de tecnologia para o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que viabilizará a produção de quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear, velho sonho dos militares. Em dezembro passado, o primeiro dos quatro com tecnologia francesa, o Riachuelo, foi lançado ao mar. Outro, o Humaitá, está quase pronto. Eles se somarão à frota dos cinco já existentes, antigos, de origem alemã.
Como ficará a transferência de tecnologia e de logística (peças) se Brasil e França continuarem rumo à ruptura diplomática? Pode ficar em câmera lenta, muito lenta.
Em nada ajuda o Twitter compartilhado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro, em que ele acha engraçada a comparação entre a beleza da sua mulher, Michelle, e a mulher do presidente francês Emmanuel Macron. Macron, aliás, acusou o golpe e já reagiu: "Espero que os brasileiros tenham logo um presidente à altura do cargo", declarou.
Essas trocas de farpas são a concretização de um pesadelo para os militares.